sábado, outubro 15, 2005

Separados, pero no mucho

Ele lá, ela cá, e a relação em xeque. Pode ser férias conjugal, um trabalho em outra cidade ou apenas uma decisão de dar um tempo, mas essa separação de corpos pode fortalecer ainda mais o casal, mesmo se houver infidelidade!

O amor é estranho. Tem casal que se vê de manhã, à tarde, à noite e ainda dorme abraçado, com direito a linguagem tatibitate e apelidinhos carinhosos daqueles que a gente morre de vergonha em público. Há também o que acha ótimo quando o parceiro resolve fazer um programa sozinho, sem que isso signifique necessariamente falta de amor ou vontade de aproveitar para dar uma pulada de cerca. O engraçado é que, colocando uma lente de aumento na situação, você pode descobrir que o segundo casal tem um relacionamento muito melhor do que o primeiro. Passar o tempo todo juntos nem sempre é sinal de uma boa relação, assim como sair sem o par para uma balada pode demonstrar maturidade e equilíbrio na relação. Tudo depende de como ambos encaram a situação. O termo férias conjugais pode ser interpretado de várias maneiras: um tempo para repensar a relação; um afastamento involuntário provocado por um trabalho ou um curso em outra cidade; a impossibilidade do casal de tirar férias no mesmo período; ou mesmo a decisão de ambos de cada um passar um mês onde quiser, sem que o casamento ou namoro naufrague por causa disso.

ALGUNS HOMENS SÃO FIÉIS SEM AMOR, OUTROS AMAM A MULHER, MAS SENTEM UMA NECESSIDADE DE EXPERIMENTAR OUTRAS DE VEZ EM QUANDO

"Se tentar dividir tudo, você acaba se anulando e impossibilitando o vínculo", acredita Luiz Cuschnir, do Serviço de Psicoterapia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Ele fala de um tipo de relação denominada "seqüestro emocional", que é o quanto o amor pode tirar a liberdade do outro. "Ele começa a ficar tão restrito e refém num cativeiro, que o espaço de convívio é aquele quartinho sujo, deteriorando, com uma luzinha, não podendo emitir sons, com um seqüestrador do lado de fora cuidando", explica. Antes que você precise apelar para os investigadores do DAS (Divisão Anti-Seqüestro), fique esperto. Para o médico, a separação temporária pode funcionar sem radicalismo. Por exemplo, o casal continua convivendo diariamente, mas cada um está envolvido em um trabalho diferente, ou estudando algo com dedicação. Até mesmo nas férias, ambos podem ir para um resort com uma grande quantidade de atividades, se separarem pela manhã para curtir o que mais interessar individualmente e se reencontrar para o jantar. Isso já garante, no mínimo, que os dois terão novidades para contar um ao outro, mas evite provocações do tipo: "nossa, como a instrutora de rapel era eficiente". Vai que ela comece a comparar o seu abdome com o do salvavidas... Na verdade, pode até ter rolado alguma situação de sedução, mas sem precisar chegar a consumar alguma traição. Os dois se separaram, mas continuam juntos de alguma forma. "Assim como o homem pode viajar sozinho e telefonar três vezes por dia para a mulher, sem que isso signifique nada", afirma o psiquiatra.

QUANDO O HOMEM DESCOBRE UMA TRAIÇÃO, DIFICILMENTE CONSEGUE MANTER O VÍNCULO CONJUGAL OU AFETIVO

ALIÁS, TRAIÇÃO É um dos maiores fantasmas em qualquer tipo de afastamento temporário - alguns não precisam nem mesmo estar longe do parceiro para sentir pavor de ser passado para trás. Para Viven Ponzoni, coordenadora do Núcleo de Família e Casal da Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama, alguns casais que resolvem "dar um tempo", na verdade, não conseguem dizer que chegou o momento de se separar. E é aí que acontecem coisas nesse intervalo que aumentam a confusão: "Como já estão desinteressados, às vezes, procuram outro pares, e depois discutem porque um ficou esperando pelo outro e o outro traiu. Mais complica do que ajuda. Em outros casos não. Quando o casal está maduro e quer realmente repensar o relacionamento, esse afastamento físico pode facilitar, sem que tenha que existir uma traição". Para ela, um fator de atrito é quando ambos combinam algo e não cumprem. Sim, até mesmo as relações amorosas são feitas de acordos, e faltar com a sua parte pode ter conseqüências dramáticas. Se você achar que não vai conseguir encarar, por exemplo, um pacto de fidelidade durante o afastamento, é mais recomendável terminar a relação, nem que seja para voltar depois.

FALAR DEMAIS PODE SER RUIM E O EXCESSO DE SINCERIDADE, OU "SINCERISMO",TEM EFEITOS DESTRUTIVOS SOBRE A UNIÃO

"Um dos meus motes é que amor não tem nada a ver com fidelidade, e fidelidade também não tem nada a ver com amor", acredita Cuschnir. Segundo ele, o perfil do homem, no geral, apresenta dois tipos: o que pode viver um amor onde é fiel até debaixo d'água; e o que ama a mulher, mas sente vontade ou necessidade de variar, muitas vezes para desenvolver ou equilibrar o próprio casamento. Ele vê a mulher como companheira e cúmplice em uma situação na qual os valores coincidem, com uma proposta de vida comum. Nem sempre é comodismo ou fraqueza, pode ser uma opção muito clara para continuar com ela porque acha que a separação não tem nada a ver com o que ele quer. O difícil vai ser explicar isso para a parceira.

EXISTE TAMBÉM UM PERFIL interessante, que é o do homem que pode ser fiel, mas não ama a mulher. Não é que ele odeie e planeje envenená-la. "É uma situação onde ele está convivendo bem com a mulher, com uma vida familiar muito boa, mas sem amor. Não é porque ele não ama que não tem a proposta dentro dele de que a família é mais importante e o casamento indissolúvel. Às vezes, os homens têm uma fidelidade à proposta de casamento ou até um respeito a essa mulher, mas não quer dizer que ele a ame", explica o psiquiatra. A terapeuta Vivien ressalta uma outra faceta da traição, em que casais reclamam, mas, no fundo, em uma linguagem implícita, estão de acordo e, de alguma maneira, permitem que ela aconteça. "De certa forma, é um alvará para que o outro continue com aquele comportamento. Porque se for mexer, vai ter de mudar o casamento, falar para todo mundo, separar, trabalhar mais, contar para os amigos que foi traído, enfim, deixa para lá", diz.

Em todo caso, quando a pulada de cerca é inevitável, muitas vezes, o silêncio é o melhor remédio, especialmente quando é a mulher quem trai. "O homem é muito mais rígido em relação a isso. Ele não quer e não pode saber, porque se desorganiza completamente", garante Cuschnir. Nesses casos, a casa cai ou balança fortemente. O homem sente-se desrespeitado e também passa a desrespeitar a mulher, perdendo a confiança nela, não só no papel de companheira, mas na noção que ele tem dela como mulher como um todo.

NÃO CUMPRIR UM ACORDO FEITO ENTRE O CASAL PODE SER MAIS PROBLEMÁTICO DO QUE TERMINAR A RELAÇÃO

Não que elas também aceitem numa boa uma escapada do marido ou namorado, mas o homem tende a confiar mais na mulher do que ela nele, salvo em casos em que ele já foi enganado. O médico diz que a união tende a enfraquecer quando uma traição vem à tona, e critica o "sincerismo", que é a compulsão de ser sincero. Por isso, segure a onda quando voltar de uma viagem e soltar um "nossa, aquela cidade parece que só tinha modelo" para a companheira. Ainda que não configure a consumação do crime, tem o mesmo efeito devastador. Para se prevenir de agressões, deixe os comentários sobre as belezas locais para a rodinha de amigos. E não caia na culpa do que você nem fez. Alguns caras são tão rígidos consigo mesmos que, só pelo fato de terem admirado um corpinho bem torneado que não seja o da própria mulher, trazem na bagagem uma sensação de autocomiseração que só faltam comprar uma chibata para se açoitarem. Fantasia não pode gerar essa repressão toda. "Ele vai soltar isso para a mulher de outra forma, seja não querendo sair com ela, controlando o dinheiro que dá para ela ou sendo muito impaciente com os filhos", diz o psiquiatra.

A MELHOR MANEIRA PARA O CASAL não esquentar a cabeça, estando perto ou longe, é se desenvolver plenamente como dois seres humanos. Quando nos apaixonamos, é natural, até biologicamente falando, viver no grude, passando horas ao telefone, fazendo tudo junto, pensando no outro em tempo integral. Quando essa fase passa, começamos a ver o outro e a notar que há diferenças, nem estamos falando de defeitos, mas de constatar que a idéia romântica de "somos um só" passa por uma transformação. A distância física aumenta, mas não quer dizer que o amor diminui. "É como um bebê, que precisa de um intenso contato físico nos primeiros momentos de vida, mas depois essa criança não vai mais querer colo. Ela quer andar, mexer em tudo, porque existe um universo muito maior", compara a terapeuta Vivien. Por isso, é importante que ambos consigam suportar - e não apenas aceitar - a saída do outro do núcleo do casal, pois, assim, os dois podem voltar. Não é abandono, é ter trânsito, ter movimento. O seu trabalho e os amigos podem estar distante de onde está seu par, mas ela continua com você. Se um casal consegue encarar isso com tranqüilidade, pode curtir suas férias sossegado, ainda que a distância, porque se vocês estiverem num clima de briga, desconfiança e falta de amor, nem junto vai dar certo.

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