quarta-feira, outubro 19, 2005

Reféns do pacifismo

Resumo: O pacifismo é a ideologia dos "puros", dos "bem intencionados", mas também dos ingênuos e dos inocentes úteis.

Dia desses, assistindo pela televisão a mais uma das inúmeras passeatas pró-desarmamento que proliferam no Rio de Janeiro a cada final de semana, com meia-dúzia de artistas, "ongueiros" e
pseudo-intelectuais puxando um mar de gente vestida de branco, distribuindo flores e berrando palavras de ordem pela paz e contra a violência, perguntei-me quanto tempo ainda demoraria para aquela multidão se dar conta de que esse é exatamente o jogo que mais interessa ao inimigo. Um inimigo, diga-se, cujos propósitos não serão alterados, sequer num milímetro, pelas belas e alvas imagens dessas manifestações. Ato contínuo, lembrei-me de José Ortega y Gasset e sua análise precisa sobre o pacifismo, a ideologia dos puros, dos bem intencionados, mas também dos ingênuos e dos inocentes úteis.

Em artigo datado de 1937, antes portanto do início das hostilidades entre a Alemanha de Hitler e os aliados da Europa Ocidental, falando especificamente sobre a política pacifista que imperava na Inglaterra desde o final da Primeira Guerra, Gasset apontava o enorme fracasso em que ela se transformara - principalmente quando cotejada com o poderio bélico amealhado pelos nazistas naquela década. Mesmo concordando que a aspiração à paz mundial era uma excelente aspiração, o pensador espanhol demonstrava, com sua lógica irrefutável, o erro crasso do pacifista ao subestimar o inimigo, ao achar que o inimigo pensa e age da mesma forma que ele, que comunga dos mesmos anseios e princípios.

Para Gasset, o pacifista só vê a guerra como um dano, um crime ou um vício, e esquece que, antes e acima disso, a guerra também pode significar um ato, um esforço, uma estratégia de defesa contra a barbárie. O pacifista pensa que para eliminar a guerra [e a violência] basta não fazê-la ou, no máximo, pedir para que não seja feita. Como a considera apenas uma excrescência mórbida surgida no relacionamento humano, acredita que bastam boas intenções e apelos emocionais para extirpá-la das relações sociais. Não enxerga que a paz precisa ser construída com energia e destemor, que a violência precisa ser combatida com armas, quando não superiores, pelo menos iguais às do inimigo.

Não é, portanto, como bem definiu o espanhol, "a vontade de paz o fator decisivo". É preciso que esse vocábulo deixe de significar uma boa intenção e passe a representar um sistema funcional eficiente. Não se poderá esperar nada de fértil nesse campo enquanto o pacifismo não deixar de ser um erro gratuito e cômodo, para ser um complexo conjunto de técnicas sofisticadas de combate aos inimigos da paz. Rudolph Giuliani mostrou, alguns anos atrás, em Nova York, como se opera tal "milagre".

O maior dano que o pacifismo ocasiona consiste, na maioria das vezes, em mascarar as verdadeiras causas do problema. No caso concreto do Brasil, estamos falando da total omissão do Estado naquilo que deveria ser a sua função essencial: o exercício eficiente do poder de polícia. Sucessivos governos venderam aos crédulos ilusões de igualitarismo, distribuição de renda, "justiça social", etc., mas falharam todos naquilo que deveria ser a sua atividade primordial: proteger a vida, a liberdade e a propriedade dos cidadãos. Aliás, como bem lembrado por Jean-François Revel, reverberar essa falácia esquerdista de que a melhor maneira de combater a violência é através de ações assistencialistas para extirpar a pobreza e as desigualdades, é atribuir àquela uma causa que o exame dos fatos não corrobora. Essa argumentação escatológica serve apenas para encobrir a mais completa e absoluta impotência do Estado para formular uma estratégia operacional eficiente do ponto de vista da segurança.

Insistir na cantilena pacifista, como nos lembra o grande Winston Churchill, só nos levará a sacrificar "qualquer vestígio de sensatez ou propósito, esbanjando um palavrório de chavões enquanto o inimigo prepara as suas armas". De fato, como muito bem salientou o ex-primeiro ministro inglês, em palavras que se encaixam como uma luva ao caso brasileiro atual, "a obstinada recusa [dos políticos] a enfrentar fatos desagradáveis, o desejo de popularidade e sucesso eleitoral gratuitos, contrariando na maioria das vezes os interesses vitais da nação, o autêntico amor pela paz e a evidente falta de vigor intelectual [da população], constituem os elementos centrais para a perpetuação da fatuidade e da inépcia, que, embora predominantemente desprovidas de malícia, não são isentas de culpa".

Parafraseando a escritora italiana Oriana Fallaci, eu encerraria dizendo que "detesto a violência como os pacifistas, de má ou boa fé, nunca a detestarão". Entretanto, "quando a paz significa rendição, medo, perda da dignidade, NÃO é paz. É suicídio". Eu rejeito o argumento esdrúxulo segundo o qual o porte legal de armas por pessoas de bem induz a violência. Muito pelo contrário, acredito que a defesa da dignidade e da liberdade individuais é e será sempre prioritária. Se hoje proíbem o comércio legal de armas, amanhã poderão proibir as artes marciais, os facões de cozinha, as pistolas de prego, as chaves de fenda, os automóveis ou qualquer outra coisa, simplesmente porque alguns fizeram mau uso deles. Aqui no Rio de Janeiro chagaram ao absurdo de propor uma lei proibindo o transporte em "garupa" de motocicleta porque o número de assaltos perpetrados por elas havia aumentado.

NÃO. Não é, definitivamente, tirando a liberdade de escolha do cidadão que se combate a violência. NÃO podemos deixar que o Estado jogue sobre os nossos ombros uma responsabilidade e uma culpa que são, exclusivamente, dele.

por João Luiz Mauad em 06 de outubro de 2005

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