segunda-feira, outubro 31, 2005

Por uma web menos ordinária

NOVA LÓGICA - Para Nelson, organização dos arquivos na computação não pode ser hierárquica. "É um modo ruim de representar as idéias"

Ted Nelson, criador da teoria de hipertexto nos anos 60, critica os rumos que a rede tomou ao "tentar imitar o papel"

Ainda que ele rejeite publicamente a “criatura”, não há como negar que a World Wide Web deve parte de seu DNA a Ted Nelson. Foram as suas teorias de hipertexto desenvolvidas nos anos 60, na Universidade Brown, que, décadas mais tarde, incentivaram o inglês Tim Berners-Lee a dar forma à rede mundial de computadores como conhecemos hoje.

O problema, acusa o pesquisador americano hoje radicado em Oxford, no Reino Unido, é que Lee não compreendeu direito suas idéias. “A web é uma versão torta da minha idéia original. É uma simulação do papel, uma superfície bidimensional, com muito poucos links, que apontam apenas para uma só direção”, reclama.

Pois a birra não é de hoje. No início da década de 90, poucos meses antes de a WWW vir à luz, Nelson estava muito perto de ver o seu trabalho de quatro décadas, batizado de projeto Xanadu, finalmente decolar.

A sua idéia de conectar documentos eletrônicos a outros por meio de links acabava de ser comprada pela Autodesk, sua equipe trabalhava a mil para terminar o programa, mas ... por falta de dinheiro, a empresa abortou o projeto.

Ainda que o sucesso da web hoje seja dado como certo e irrefreável, aos 68 anos, Ted Nelson continua disposto a botar a "sua" rede de pé. "Eu ainda me sinto com 22 anos, tenho as mesmas idéias de quando tinha 22 anos e as acho boas, apesar de não terem sido aplicadas."

Após atualizar e rebatizar o velho Xanadu como Transliterature – “As pessoas estavam cansadas de ouvir falar em Xanadu”, reconhece –, publicou na última segunda-feira, em seu site um manifesto inflamado pela reconquista e a recolonização do ciberespaço, o qual vê como um espaço das idéias e da literatura, não da tecnologia.

"Os tecnólogos raptaram a literatura – com a melhor das intenções, claro! –, mas agora os humanistas devem reclamá-la de volta”, escreve no artigo, hospedado em http://hyperland.com/trollout.txt.


Em visita ao Brasil a convite do File 2005, para o qual ministra, às 19h30, a palestra
Software and Media for a New Democracy, Nelson conversou deu uma entrevista por telefone. Leia a seguir trechos da entrevista.


Sua formação básica é em filosofia e sociologia. O que chamou a sua atenção no campo da tecnologia?


Não me interesso por tecnologia. Eu odeio tecnologia. (risos) As pessoas de fora do campo da computação dizem: “Oh, isso é tão excitante, diferente, novo”, mas se está fazendo a mesma coisa há 50 anos. O modo como os computadores trabalham hoje é produto da mente das pessoas que os programaram. São tradições criadas em um lugar chamado Xerox PARC, em 1974 e 1975. Mas o principal é que você sempre manteve os arquivos numa hierarquia. E a hierarquia é um erro. Todos dizem que isso é o básico da computação, que computadores são necessariamente hierárquicos. Isso não é verdade, é algo inventado pelos tecnólogos, que pensam que o mundo é hierárquico. Eu digo que esse é um modo ruim para representar as idéias e os pensamentos da humanidade.

Se essa hierarquia ajudar a organizar informações, que mal há nisso?
Vamos colocar desse modo: os documentos que eu escrevo têm variações e interconexões que não podem ser representadas nos atuais sistemas de computador. Creio que a maioria das pessoas é como eu, mas não posso provar. Então apenas construo da maneira que acho que deveria ser, e vamos ver...

O sr. acaba de lançar um novo projeto chamado Transliterature. Poderia resumir as idéias por trás dele?
A World Wide Web é uma simulação do papel, uma superfície bidimensional, com muito poucos links, que apontam apenas para fora. Acredito que você deveria ter milhares de links de vários tipos em uma página, e todo mundo deveria poder usá-los. O documento seria tridimensional, quadridimensional, qüinquedimensional, animado... Você viu Star Wars? Sabe a cena de abertura, com o texto se movendo na tela? Então, daquele jeito! Matrix você viu? Sabe aquela "chuva" de texto na tela? Poderia ser daquele jeito também. Tudo isso deveria ser possível, e muito mais.

E a tecnologia que temos hoje permitiria isso?
(Pausa) Vamos conversar sobre a palavra ‘tecnologia’. Um sapato é tecnologia, uma frigideira é tecnologia, um copo d'água é tecnologia. Mas a palavra é usada geralmente para se referir ao último gadget. Quando você compra um telefone celular novo, é tão complicado navegar através dos menus... Isso não é tecnologia, é a mente estúpida das pessoas que o desenharam. As câmeras de vídeo hoje são fantásticas, você pode fazer filmes com qualidade de cinema nelas. Mas o problema é lidar com os 300 menus escritos por engenheiros japoneses! O problema não é o quão maravilhosa a tecnologia pode ser. O problema é a comunicação das idéias. E sejam japoneses, americanos ou brasileiros, engenheiros não são muito bons para comunicar idéias.

Voltando à web: mudar só o layout das páginas resolveria o problema?
Não é mudança de layout. É a mudança completa da estrutura do documento. Hoje, eles colocam tudo ali dentro do HTML, e você não pode trazer nada de fora. Pode trazer fotos, mas não texto. E por que não? Porque os tecnológos queriam que fosse assim. Não há razão técnica ou lógica para isso. Esse é um ponto central, junto com a questão do copyright. Existe hoje uma guerra entre os detentores de copyright e as pessoas que querem roubar seu conteúdo. A solução que venho propondo há 40 anos é bastante simples, mas diferente da maneira como as pessoas vêem o problema. Se o seu conteúdo tiver essa permissão, chamada "transcopyright", qualquer um poderá usá-lo em seus documentos online. Todo conteúdo pode ser embaralhado de novas maneiras, mas deve haver sempre uma conexão de volta para o original e assim você poderá cobrar por trecho. Basicamente, você teria o mesmo conteúdo em dois lugares diferentes. No mundo físico, podemos ter apenas cópias e referências cruzadas, mas o mundo dos computadores pode ser construído de acordo com a nossa imaginação. E eu imaginei essa relação chamada "transclusão", que não poderia existir na realidade física. É uma relação literária, não tecnológica.

E quanto tempo até que essa Transliterature se torne realidade?
Na verdade, não sei. Não sei onde vou estar e de onde virá o dinheiro. O que sei é que há muitas pessoas querendo trabalhar em projetos nos quais acreditem. O Transliterature está em open source, os programadores vão aparecer...

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