quinta-feira, junho 03, 2004

Estratégias de intervenção

Estudo mostra estatisticamente que a maneira mais eficiente de combater o crime comum não é perseguir o criminoso contumaz, mas sim evitar que as pessoas cometam o primeiro delito. Análises mostram que o custo-benefício dessa intervenção preventiva é melhor do que o de políticas -- mais comuns hoje em dia -- baseadas no endurecimento de penas, construção de prisões ou aparelhamento das polícias.

Um fenômeno bastante conhecido nos estudos criminológicos é o fato de que muitas coisas envolvem poucas pessoas e lugares. Estudos usando técnicas de análise para a detecção de 'áreas quentes' de criminalidade mostram que crimes são fenômenos bastante concentrados no tempo e no espaço.

Alguns exemplos: i) As regiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro concentram 40% dos homicídios no Brasil, embora tenham 18% da população; ii) cerca de 20% desse tipo de crime acontecem em menos de 2% da área geográfica de um centro urbano; iii) a maioria dos assaltos ocorre em poucos locais.

Trata-se de um fenômeno estatístico conhecido como lei de potência e que é observado também em fenômenos sociais, lingüísticos e econômicos. O economista italiano Vilfredo Pareto (1848-1923) observou que a distribuição da riqueza seguia um 'desequilíbrio previsível', em que 20% da população detinham 80% da riqueza. O lingüista norte-americano George Zipf (1902-1950) observou o padrão semelhante no uso das palavras: poucas delas eram usadas um grande número de vezes, e muitas eram raramente empregadas.

Da mesma forma, ocorre uma concentração dos crimes em torno de um número pequeno de delinqüentes que, após cometerem os primeiros delitos, tornam-se reincidentes contumazes. Um estudo recente realizado na Inglaterra (disponível na internet) vem corroborar esse padrão, ao analisar dois tipos de resultados de pesquisas anteriormente realizadas.

A primeira é o 'Estudo [da Universidade de] Cambridge sobre o Desenvolvimento da Delinqüência', realizado com 411 jovens do sexo masculino da região norte de Londres, que foram acompanhados desde 1961-1962, quando tinham entre oito ou nove anos de idade. A outra pesquisa analisada foi o 'Estudo Pittsburgh sobre a Juventude', com 1,5 mil jovens de escolas dessa cidade norte-americana, acompanhados por períodos regulares entre 1986 e 2001.

Ambos chegam a resultados similares: 70% dos pesquisados não tiveram qualquer condenação ou relataram qualquer tipo de crime ao longo do período do estudo. O restante -- que foi condenado por algum tipo de crime -- distribuiu-se de acordo com a regra do 'poucos fazem muito': 5% das pessoas estudadas foram responsáveis por mais de 80% das condenações.

O grupo que cometeu delitos passou a se concentrar em torno de uma distribuição estatística bastante familiar aos estudiosos de sistemas de comportamento humano. Sempre que grupos têm possibilidade de escolha entre várias opções, um pequeno número destas vai gerar um grande tráfego de escolhas, sem que haja nenhum movimento deliberado nessa direção.

Trata-se do simples ato de escolher, e é o caso da grande maioria de jovens que não comete crimes. Porém, entre os que praticam, tende a ocorrer uma concentração grande de eventos em torno de um pequeno número de pessoas, que passam a se envolver com um grande número de condenações ou de crimes reportados.

Esses resultados contrariam a percepção de senso comum segundo a qual crimes encontram-se distribuídos aleatoriamente no tempo e no espaço, e vítimas são recrutadas igualitariamente em todos os locais e grupos sociais. O medo é universalmente distribuído, mas as vítimas de fato estão altamente concentradas em poucos locais da cidade e em grupos sociais bastante específicos.

Por exemplo, as chances de se morrer vítima de homicídio quando se é um homem jovem habitante da periferia chegam a ser até 300 vezes maiores que as de um senhor de meia idade que habita bairros de classe média. No entanto, todos os esforços de nosso sistema de justiça e de organizações às voltas com segurança pública parecem ser a de proteger justamente aqueles que estão menos expostos à violência. A concentração de equipamentos de proteção social, bem como de recursos de segurança pública, se dá de forma desigual.
As implicações de resultados de estudos dessa natureza para as políticas públicas são óbvias, embora largamente desconhecidas para a grande maioria dos agentes e encarregados de estabelecer políticas em segurança pública. A questão é como evitar que aqueles que não cometem crimes ou que cometem poucos crimes passem a engrossar o time dos criminosos profissionais?

O passo crucial parece ser intervir antes do primeiro crime. Estratégias de intervenção podem incluir: i) programas envolvendo assistência social a famílias em situação de risco de crime; ii) treinamento e terapia para famílias de crianças com comportamento agressivo na escola ou que estejam em vias de serem expulsos dela; iii) incentivos monetários para induzir garotos carentes a se graduarem; iv) monitoramento e supervisão de jovens secundaristas que tenham exibido comportamento delinqüente.

Análises efetuadas desse tipo de estratégia de intervenção mostram que a relação custo benefício delas é muito melhor do que a resposta através de políticas 'duras' de endurecimento de penas, construção de prisões ou aparelhamento das polícias. Por outro lado, o que fazer com os criminosos contumazes, que já ingressaram de forma irremediável em uma carreira de crimes?

Projetos como Ceasefire, em Boston (Estados Unidos), ou o 'Fica Vivo', em Belo Horizonte, dirigem boa parte de seus esforços à apreensão e ao isolamento desse núcleo duro de criminosos. Nessas iniciativas, aliadas a ações de justiça dirigidas de forma qualificada, estão aquelas voltadas para a prevenção e destinadas justamente a evitar que jovens e crianças entrem nesse mundo estatístico distinto, no qual os infratores vão acumulando delitos.

Todas essas coisas são óbvias e fáceis quando se sabe a quem dirigir os esforços de intervenção. Informação sobre quais são os grupos de riscos, onde se localizam as áreas de ocorrências de crimes e qual a proporção de jovens que compõem o núcleo duro é o cerne de intervenções de qualquer natureza. Obter esses dados seja talvez um dos grandes desafios.

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