terça-feira, março 29, 2005

Projeto de Lula lançará PC barato e software livre

Plano "PC Conectado" pretende promover inclusão digital no Brasil

Desde que assumiu o governo dois anos atrás, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformou o Brasil em um posto avançado tropical do movimento de software livre.

Buscando economizar milhões de dólares em royalties e taxas de licenciamento, Lula instruiu ministros do governo e empresas estatais a trocarem gradualmente os caros sistemas operacionais produzidos pela Microsoft e outros por sistemas operacionais gratuitos, como o Linux.

Sob o governo Lula, o Brasil se tornou o primeiro país a exigir que qualquer empresa ou instituto de pesquisa que receba financiamento do governo para desenvolver software a licenciá-lo como open source, o que significa que o código de programação dele deve ser aberto e gratuito para todos.

Agora, o governo do Brasil parece prestes a levar sua campanha de software livre para as massas. E, novamente, a Microsoft poderá terminar excluída.

Até o final de abril, o governo planeja colocar em ação um programa muito alardeado chamado PC Conectado, que visa ajudar milhões de brasileiros de baixa renda a comprar seus primeiros computadores.

Se as coisas saírem como pretende o alto conselheiro de tecnologia do presidente, o programa poderá oferecer computadores apenas com software livre, incluindo o sistema operacional, escolhido a dedo pelo governo, em vez de dar aos consumidores a opção de pagar mais pela, digamos, versão básica do Windows da Microsoft.

"Para que este programa seja viável, ele precisa ter software livre", disse Sérgio Amadeu, presidente do Instituto Nacional de Tecnologia de Informação do Brasil, o órgão que supervisiona as iniciativas de tecnologia do governo.

"Nós não vamos gastar dinheiro dos contribuintes em um programa para que a Microsoft possa consolidar ainda mais seu monopólio. É responsabilidade do governo assegurar que haja concorrência, e isto significa dar a plataformas alternativas de software uma chance de prosperar."

A Microsoft ofereceu uma versão mais barata, simplificada, do Windows para o programa. Apesar da decisão final sobre qual será o software escolhido ter sido adiada várias vezes, assim como o lançamento do programa, Amadeu e outras autoridades do governo têm criticado publicamente a proposta da Microsoft, dizendo que a capacidade da versão é muito limitada.

Mesmo assim, a Microsoft ainda não desistiu. A empresa, que se recusou a indicar um executivo para uma entrevista, disse em uma declaração que ainda está "trabalhando no projeto PC Conectado para ver se há uma forma de a Microsoft colaborar".

Segundo o programa, que deverá oferecer incentivos fiscais para os fabricantes de computadores reduzirem preços e um plano generoso de pagamento para os consumidores, o governo espera oferecer desktops por cerca de R$ 1.400 ou menos. Eles serão comparáveis aos que custariam quase o dobro fora do programa.

Os compradores poderão pagar em 24 prestações de R$ 50 a R$ 60 por mês, um valor acessível para muitos trabalhadores pobres. As três principais empresas de telefonia fixa do país --a Telefônica da Espanha, a Tele Norte Leste Participações, ou Telemar, e a Brasil Telecom-- concordaram em fornecer conexão discada de Internet aos participantes por R$ 7,50 por mês, permitindo 15 horas de navegação na Internet.

O programa visa lares e donos de pequenas empresas que ganham de três a sete vezes o salário mínimo mensal. O governo disse que 7 milhões se qualificariam e espera atingir um milhão deles até o final do ano.

Isto pode parecer ambicioso em um país em desenvolvimento com 183 milhões de habitantes, onde apenas 10% de todos os lares têm acesso à Internet e apenas 900 mil computadores são vendidos legalmente a cada ano. (Incluindo as vendas do mercado negro, o número se aproxima de 4 milhões, ainda assim uma pequena fração do número de computadores vendidos anualmente nos Estados Unidos, segundo a International Data Corp., uma firma de pesquisa de tecnologia.)

"Nós estamos cientes de que estamos falando sobre dobrar o mercado doméstico para computadores pessoais", disse Cézar Alvarez, o assessor presidencial encarregado do programa PC Conectado. "Mas é absolutamente viável."

Alguns analistas questionam a eficácia de tais programas, notando que projetos semelhantes na Ásia acabaram atolando em burocracia e, em alguns casos, favorecendo a elite.

Na Malásia, por exemplo, o governo está lançando um segundo programa de computadores de baixo custo após o fracasso de sua primeira tentativa, por causa de mau planejamento e fraude --algo que as autoridades brasileiras disseram que estão trabalhando arduamente para impedir.

Outros disseram que o governo deveria concentrar suas iniciativas de tecnologia em outros lugares, especialmente nas escolas. Apenas 19% das escolas públicas do Brasil têm computadores.

O governo diz que planeja complementar o PC Conectado com maiores esforços para colocar mais computadores nas escolas. Ele também está investindo US$ 74 milhões para abrir 1.000 centros comunitários em bairros pobres neste ano, com computadores rodando programas de software livre e oferecendo acesso gratuito à Internet --complementando programas semelhantes dos governos municipais e organizações não-governamentais.

O esforço para superar a exclusão digital tem provocado elogios por toda a indústria de tecnologia. Mas a preferência por software open source é controversa, com críticos dentro e fora do governo dizendo que o governo Lula está deixando a ideologia esquerdista passar por cima das leis de oferta e demanda.

"Não cabe ao governo decidir que hardware e software farão parte destes computadores", disse Julio Semeghini, deputado federal do PSDB, de oposição. "Isto não é democrático."

Mas o caminho do open source conta com apoio fora do governo Lula.

Walter Bender, o diretor executivo do Media Lab do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, cujo parecer foi solicitado pelo governo brasileiro, respondeu em uma recente carta que "software livre de alta qualidade" tem se mostrado mais eficaz em estimular o uso de computadores entre os pobres do que versões simplificadas de software pago.

Seja lá o que o governo decidir, a maioria dos analistas da indústria concorda que o programa provavelmente ajudará a combater a pirataria de software, que é grande no Brasil.

E ao atrair novos consumidores, "mesmo se o programa não atingir suas metas, ele acabará estimulando os mercados de computadores e software", disse Jorge Sukarie, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Software. "Não é perfeito, mas é certamente melhor do que nada."

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