quarta-feira, janeiro 03, 2007

A língua retrata o que o povo fala ou o que a regra nos impõe?

Por Bruno Rodrigues

Experimente: ao longo de uma semana, acompanhe os jornais com outros olhos. Conte quantas vezes a internet é apontada como terreno propício para o exercício do que há de pior no ser humano, do tráfico de drogas à pedofilia. No mínimo, a Rede é descrita como palco para novos costumes bizarros e curiosos, como flertar, ainda que à distância, uma ilustre desconhecida, ou passar dias imerso em uma comunidade virtual como o ‘Second Life’.

Tenho a impressão de que, por pouco, sociedade e mídia não proclamam a internet como ‘criação do demônio’ e seitas mais radicais não queimam computadores e laptops em grandes fogueiras. Ao longe, observando tudo, estaria - em êxtase! - uma multidão de marmanjos, pais de meninos e adolescentes, defensores ferrenhos, entre outras coisas, de que ‘lugar de homem é na rua’…

Esta visão estrábica da internet não surge na mídia e na cabeça dos pais à toa. É como se precisássemos de uma ‘consciência coletiva’ nos alertando sobre o perigo que o ‘novo’, ao mesmo tempo fascinante e ameaçador, oferece - uma versão adulta do Grilo Falante.

É tudo muito assustador: o pânico vai do comércio eletrônico (’vão roubar o número do meu cartão de crédito!’) aos games (’meu filho não vai mais sair de casa!’), dos relacionamentos (’o que vale é olho no olho!’) aos e-books (’preciso pegar nos livros que leio!’). Haja coragem e discernimento para não perder o bonde da história - é preciso confiar na Rede com um olho fechado e o outro bem aberto.

Muitos passam por isso quase todo o dia. Eu, que vivo de (e na) internet, me peguei outro dia numa encruzilhada daquelas.

Sempre fui defensor do uso que os adolescentes fazem do português na web, ao criarem novas palavras baseadas mais em seus sons e menos no que está no dicionário. O que não seria fonte de dor de cabeça para os professores, na minha opinião. Ou seja, o jovem saberia muito bem onde utilizar o ‘vc’ ou o ‘você’. No Orkut, vale o novo; na redação da escola, o que Houaiss e Aurélio fazem questão de nos lembrar, sempre. Seria simples assim.

E foi, no início. Quando o MSN e os ‘torpedos’ ainda não faziam parte do dia-a-dia do adolescente - e da criança, também -, quando a atividade de se comunicar constantemente pela escrita pela Rede ainda era novidade, havia uma clara distinção do que era português e o que era ‘da web’.

Outro dia, ao conversar com duas professoras de ensino médio, fiquei de queixo caído: agora é um Deus nos acuda. As provas vivem inundadas de ‘vc’s, e o mais delicado, elas me explicaram, é que - óbvio - não é de propósito… Mas, o que fazer se é este o português que crianças e jovens usam para se comunicar hoje em dia pela Rede? Dá agonia e uma profunda insegurança. Uma delas, à beira da aposentadoria, disse, brincando, ter saudades ‘de quando a única ameaça à língua era a gíria’ - e nada afetava a escrita.

É hora de parar e pensar, então. No Brasil, a língua portuguesa já passou por mais de uma reforma. Por que ‘pharmácia’ virou ‘farmácia’? Porque ninguém lia ‘parmácia’, oras. Até hoje me pergunto por quê ‘caixa’ não é ‘caicha’, ou vice-versa… Pela regra, apenas? Nosso ‘cadê’ está condenado a ser ‘c-a-d-ê’ por toda a eternidade, ou um dia escreveremos ‘kd vc’?

A língua não retrata o que o povo fala? Ou o que a regra nos impõe?

Mas aí bate o medo do desconhecido, do descontrolado, do que até ontem era absurdo.

Arranquem rápido os computadores dos quartos dos filhos: à fogueira com eles, antes que seja tarde demais. Porque lugar de língua é no dicionário. Ou não?

Nenhum comentário: