segunda-feira, julho 18, 2005

O picadeiro das bestas-feras

A reforma deve instalar a fidelidade partidária. Há político que muda mais de partido que de cueca, ícone atual da corrupção

A temporada do circo voltou ao Congresso Nacional. O circo policialesco das comissões de inquérito. O histrionismo dos figurões e figuronas -travestidos em delegadões e promotoronas- invade os lares perplexos dos brasileiros.

No centro do picadeiro, o enredo é o mesmo: corrupção político-partidária. Velha novela reprisada por novos atores. Os heróis de ontem, vilões de hoje. Domadores de ontem no papel atual de predadores da coisa pública. O chicote mudou de mãos, os domadores que o estalam, sibilando no ar, uivavam ontem no papel de feras insaciáveis. O apetite pelo butim público ruge agora nas vísceras das novas feras, bestas da velha ética, ora bandeira rota e esfarrapada.

Caçadores dos fantasmas das contas de PC Farias, atolados nas mesmas práticas do morto fantasma, voltam a assombrar as contas públicas. Os exorcistas de ontem vivem hoje o papel de aterrorizar o país com as velhas práticas, as velhas fraudes e os velhos golpes.

De novidade nesse correio aéreo do blackmail, apenas o cuecão de ouro, abarrotado de dólares. Essa roupa nova do picadeiro de horrores morais que envergonha e escandaliza o cidadão e a cidadã do Brasil.

Para além do papel artístico-investigatório-sensacionalista-inquisitorial, temos de aproveitar esse momento fecundo e legislarmos uma nova ordem político-partidária. Na raiz da corrupção, o financiamento eleitoral praticado por fora. O caixa dois dos partidos e seus operadores. A doação fora da lei fugindo ao controle legal e social. A ação dos operadores das sombras: "PCs", "Valérios" e "Delúbios". Tudo conseqüência de uma legislação eleitoral e partidária superada, pois que elaborada em 1965 pelo marechal Castelo Branco, hoje divorciada da sociedade e de seus controles, à mercê dos truques dos operadores financeiros dos partidos.

Aliás, das várias coincidências carecas do PC e Valério, só uma coisa difere ambos: o PC guardou seus segredos, o tesoureiro de Genoino já soltou a língua para o Ministério Público, tentando obter os benefícios da delação premiada.

Ao Brasil, entristece e causa perplexidade testemunhar que o partido que fez da ética e da moralidade públicas bandeiras de luta sucumba às tentações do caixa dois e à corrupção eleitoral. Não que o discurso campesino e obreiro fosse leviano e hipócrita -o sistema o corrompeu. Não passa um filete de água pura num cano de esgoto.

A corrupção está na raiz do financiamento eleitoral. O que é legítimo, doações oficiais com recibo aos partidos, é visto como ilegítimo. Quando os empresários ou instituições fazem doações às claras aos partidos políticos, a mídia vicia sua transparência, alardeando suspeição de intenções ocultas.

Os formadores de opinião verberam que as doações são suspeitas, pois comprometem os partidos com interesses empresariais espúrios. Os doadores legais são expostos sempre em manchetonas sensacionalistas. Os doadores das sombras, os contribuintes ocultos, ficam protegidos pelo ilegal anonimato. Nunca aparecem nos noticiários, mas a prática dos porões contamina as relações com os poderosos financiados nos esgotos subterrâneos.

Quando vemos as prestações de contas dos candidatos a presidente, governador, senador, prefeito e deputados, constatamos a primeira mentira do sistema. A média das prestações de contas dos deputados federais está na casa de R$ 100 mil, dos senadores, R$ 200 mil, de governadores, R$ 1 milhão, e do presidente, R$ 10 milhões. Mentira, grosseira mentira. A eleição de deputado custa, em média, R$ 2 milhões; senadores, R$ 3 milhões; governadores, até R$ 20 milhões, e prefeitos, até R$ 10 milhões; presidente, até R$ 60 milhões.

Por que a mentira? Os empresários sérios não sentem proteção à sua imagem para doar legalmente. Os contribuintes por fora estão protegidos nos silêncios e cumplicidades. Os corretos, ficando expostos, temem a perseguição da imprensa, normalmente pautada por interesses dos grupos rivais ou vencedores. A democracia necessita de dinheiro para fazer política. A política é que não pode ser usada para fazer dinheiro e fortunas pessoais.

O cheque legal de doação viabiliza a democracia, a mala de dinheiro destrói os princípios republicanos. A doação por fora provoca o afrouxamento moral das relações democráticas. Alguns propõem financiamento público como saída. Eu o vejo como um acinte à pobreza. A camiseta eleitoral é a subtração do pão do famélico. Os carros de som usarão como combustível os frascos de remédios dos doentes desvalidos. Não dá.

As regras para os doadores privados devem protegê-los das mesquinhas explorações políticas e punir com severidade as doações ocultas, feitas ao arrepio da lei.

A reforma política deve estabelecer, com rigor, a fidelidade partidária, pois há políticos que mudam mais de partidos do que de cuecas, peça íntima, símbolo atual da estelar corrupção. As contribuições de campanha deixarão de ser destinadas aos candidatos, passando exclusivamente aos partidos. Não haverá doações para a pessoa física, somente para a jurídica. Dessa forma, as relações ficarão mais respeitosas e impessoais.

Ou mudamos a realidade atual ou a madre superiora do convento das Carmelitas Descalças, se eleita no Brasil, será corrompida pelo caixa dois, similar ao dos operadores do "mensalão".

O povo sonha ver as bestas domadas. Sonha ver o picadeiro do circo pleno de alegria, felicidade e orgulho nacional. Que o circo dos horrores e medos abra seu palco à esperança.


Roberto Jefferson Monteiro Francisco, advogado, é deputado federal pelo PTB-RJ.

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