NOVA LÓGICA - Para Nelson, organização dos arquivos na computação não pode ser hierárquica. "É um modo ruim de representar as idéias" |
Ted Nelson, criador da teoria de hipertexto nos anos 60, critica os rumos que a rede tomou ao "tentar imitar o papel"
Ainda que ele rejeite publicamente a “criatura”, não há como negar que a World Wide Web deve parte de seu DNA a Ted Nelson. Foram as suas teorias de hipertexto desenvolvidas nos anos 60, na Universidade Brown, que, décadas mais tarde, incentivaram o inglês Tim Berners-Lee a dar forma à rede mundial de computadores como conhecemos hoje.
O problema, acusa o pesquisador americano hoje radicado em Oxford, no Reino Unido, é que Lee não compreendeu direito suas idéias. “A web é uma versão torta da minha idéia original. É uma simulação do papel, uma superfície bidimensional, com muito poucos links, que apontam apenas para uma só direção”, reclama.
Pois a birra não é de hoje. No início da década de 90, poucos meses antes de a WWW vir à luz, Nelson estava muito perto de ver o seu trabalho de quatro décadas, batizado de projeto Xanadu, finalmente decolar.
A sua idéia de conectar documentos eletrônicos a outros por meio de links acabava de ser comprada pela Autodesk, sua equipe trabalhava a mil para terminar o programa, mas ... por falta de dinheiro, a empresa abortou o projeto.
Ainda que o sucesso da web hoje seja dado como certo e irrefreável, aos 68 anos, Ted Nelson continua disposto a botar a "sua" rede de pé. "Eu ainda me sinto com 22 anos, tenho as mesmas idéias de quando tinha 22 anos e as acho boas, apesar de não terem sido aplicadas."
Após atualizar e rebatizar o velho Xanadu como Transliterature – “As pessoas estavam cansadas de ouvir falar em Xanadu”, reconhece –, publicou na última segunda-feira, em seu site um manifesto inflamado pela reconquista e a recolonização do ciberespaço, o qual vê como um espaço das idéias e da literatura, não da tecnologia.
"Os tecnólogos raptaram a literatura – com a melhor das intenções, claro! –, mas agora os humanistas devem reclamá-la de volta”, escreve no artigo, hospedado em http://hyperland.com/trollout.txt.
Em visita ao Brasil a convite do File 2005, para o qual ministra, às 19h30, a palestra
Sua formação básica é em filosofia e sociologia. O que chamou a sua atenção no campo da tecnologia?
Não me interesso por tecnologia. Eu odeio tecnologia. (risos) As pessoas de fora do campo da computação dizem: “Oh, isso é tão excitante, diferente, novo”, mas se está fazendo a mesma coisa há 50 anos. O modo como os computadores trabalham hoje é produto da mente das pessoas que os programaram. São tradições criadas em um lugar chamado Xerox PARC, em 1974 e 1975. Mas o principal é que você sempre manteve os arquivos numa hierarquia. E a hierarquia é um erro. Todos dizem que isso é o básico da computação, que computadores são necessariamente hierárquicos. Isso não é verdade, é algo inventado pelos tecnólogos, que pensam que o mundo é hierárquico. Eu digo que esse é um modo ruim para representar as idéias e os pensamentos da humanidade.
Se essa hierarquia ajudar a organizar informações, que mal há nisso?
Vamos colocar desse modo: os documentos que eu escrevo têm variações e interconexões que não podem ser representadas nos atuais sistemas de computador. Creio que a maioria das pessoas é como eu, mas não posso provar. Então apenas construo da maneira que acho que deveria ser, e vamos ver...
O sr. acaba de lançar um novo projeto chamado Transliterature. Poderia resumir as idéias por trás dele?
A World Wide Web é uma simulação do papel, uma superfície bidimensional, com muito poucos links, que apontam apenas para fora. Acredito que você deveria ter milhares de links de vários tipos em uma página, e todo mundo deveria poder usá-los. O documento seria tridimensional, quadridimensional, qüinquedimensional, animado... Você viu Star Wars? Sabe a cena de abertura, com o texto se movendo na tela? Então, daquele jeito! Matrix você viu? Sabe aquela "chuva" de texto na tela? Poderia ser daquele jeito também. Tudo isso deveria ser possível, e muito mais.
E a tecnologia que temos hoje permitiria isso?
(Pausa) Vamos conversar sobre a palavra ‘tecnologia’. Um sapato é tecnologia, uma frigideira é tecnologia, um copo d'água é tecnologia. Mas a palavra é usada geralmente para se referir ao último gadget. Quando você compra um telefone celular novo, é tão complicado navegar através dos menus... Isso não é tecnologia, é a mente estúpida das pessoas que o desenharam. As câmeras de vídeo hoje são fantásticas, você pode fazer filmes com qualidade de cinema nelas. Mas o problema é lidar com os 300 menus escritos por engenheiros japoneses! O problema não é o quão maravilhosa a tecnologia pode ser. O problema é a comunicação das idéias. E sejam japoneses, americanos ou brasileiros, engenheiros não são muito bons para comunicar idéias.
Voltando à web: mudar só o layout das páginas resolveria o problema?
Não é mudança de layout. É a mudança completa da estrutura do documento. Hoje, eles colocam tudo ali dentro do HTML, e você não pode trazer nada de fora. Pode trazer fotos, mas não texto. E por que não? Porque os tecnológos queriam que fosse assim. Não há razão técnica ou lógica para isso. Esse é um ponto central, junto com a questão do copyright. Existe hoje uma guerra entre os detentores de copyright e as pessoas que querem roubar seu conteúdo. A solução que venho propondo há 40 anos é bastante simples, mas diferente da maneira como as pessoas vêem o problema. Se o seu conteúdo tiver essa permissão, chamada "transcopyright", qualquer um poderá usá-lo em seus documentos online. Todo conteúdo pode ser embaralhado de novas maneiras, mas deve haver sempre uma conexão de volta para o original e assim você poderá cobrar por trecho. Basicamente, você teria o mesmo conteúdo em dois lugares diferentes. No mundo físico, podemos ter apenas cópias e referências cruzadas, mas o mundo dos computadores pode ser construído de acordo com a nossa imaginação. E eu imaginei essa relação chamada "transclusão", que não poderia existir na realidade física. É uma relação literária, não tecnológica.
E quanto tempo até que essa Transliterature se torne realidade?
Na verdade, não sei. Não sei onde vou estar e de onde virá o dinheiro. O que sei é que há muitas pessoas querendo trabalhar em projetos nos quais acreditem. O Transliterature está em open source, os programadores vão aparecer...
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