terça-feira, junho 08, 2004

Estado de emergência em prisões do Rio ajuda a "passar por cima da burocracia"

A decretação de estado de emergência nos presídios do Estado do Rio de Janeiro, feita nesta segunda-feira pela governadora Rosinha Matheus (PMDB), deve possibilitar ações do Estado que normalmente ficam emperradas pela burocracia, como a remoção de presos. Quem afirma é o coronel José Vicente da Silva Filho, pesquisador do Instituto Fernand Braudel, especialista em questões de segurança pública.

Em entrevista a Paulo Henrique Amorim, no UOL News, analisou a medida e a onda de rebeliões e mortes que tomou conta dos presídios e cadeias do RJ nas últimas semanas. Na mais grave delas, na Casa de Custódia de Benfica, foram divulgadas oficialmente 30 mortes de presos na semana passada.

Nesta segunda-feira, o Instituto Médico-Legal (IML) informou que a detenta Aline Maria Cesário, 30, morreu com um tiro de pistola no peito durante a rebelião na Casa de Custódia de Magé, na Baixada Fluminense. A rebelião na Casa de Custódia de Magé, na noite de sábado, foi a mais violenta das três que ocorreram no Rio de Janeiro neste fim de semana. Dez pessoas ficaram feridas: uma agente penitenciária e mais nove detentas, uma delas internada em estado grave, com um tiro na cabeça.

Na manhã de sábado, nove presos e um soldado do Batalhão de Operações Especiais ficaram feridos numa rebelião na Penitenciária Milton Dias Moreira, no complexo da Frei Caneca, no Estácio. Por volta das 20h30 de domingo, mais uma rebelião teve início, na cadeia da 105ª DP (Petrópolis). A cadeia estava superlotada e vinte presos fugiram. Sete foram capturados, dois ficaram feridos na fuga e um se apresentou espontaneamente. Dez ainda estão foragidos.

"Reconhecimento"

O coronel José Vicente da Silva Filho disse que a decretação de estado de emergência é "inusitada", mas é "um reconhecimento de que essa sucessão de problemas no sistema prisional e nas cadeias do RJ precisa de algumas medidas que estavam sendo postergadas". "A idéia é que isso possibilite que ações que ficam muito complicadas de se tomar na burocracia cotidiana, como substituir pessoal, fazer gastos sem licitação. Com o decreto de emergência, torna-se possível a aprovação pelo Tribunal de Justiça do Estado de ações emergenciais, como a remoção de presos. Isso pode ajudar inclusive a pressionar os juízes que ainda controlam a remoção de presos, para que façam os ajustes necessários."

"Tivemos uma eclosão que mostrou claramente combinação de erros e omissões no sistema, tanto dos presídios como dos cadeiões, como é caso da Casa de Custódia de Benfica. Fuga já é caso de crise grave. Quando há uma quantidade tão grande de mortes, não foi um acaso, essa é uma situação de crise gravíssima."

"Não é só o problema de acúmulo de presos, instalações inadequadas, proximidade do estabelecimento de moradias, escolas etc. No Rio de Janeiro, há um estado de guerra permanente entre as principais facções criminosas. Quando você coloca esse pessoal em posições contrárias pelos corredores da cadeia, é um estado de guerra explícita mesmo."

Para Silva Filho, o setor público tem de admitir que existem grupos rivais na marginalidade. "Há seis, sete anos, o Rio de Janeiro passava por uma situação relativamente tranqüila, enquanto havia rebeliões e fugas constantes no Estados de São Paulo. Esse esquema de reconhecer líderes de facções, as pessoas ligadas a elas, e a separação dessas facções, ajudou a pelo menos manter um grau de tranqüilidade por alguns anos nos estabelecimentos prisionais. É lamentável reconhecer as lideranças dessas facções, mas é prático do ponto de vista da admnistração penitenciária", declarou.

"É o que se chama hoje de inteligência prisional. É importante que cada pessoa, principalmente os presos mais articulados com essas facções, tenham toda sua vida acompanhada por um sistema informatizado, até por um sistema de inteligência própria, que acompanhe desde os companheiros de cela, as ligações que eles têm internamente, as visitas que recebem... Tudo isso ajuda muito a fazer um acompanhamento não só dessas pessoas como das lideranças e movimentos que elas fazem. Se esse tipo de acompanhamento já existisse, nesse episódio de Benfica é provável que se pudesse detectar o andamento de uma crise em evolução."


original:

http://noticias.uol.com.br/uolnews/entrevista/ult269u2063.jhtm

Nenhum comentário: