Do lado de fora dos laboratórios e dos grandes centros de pesquisa existe, porém, uma vida pulsando numa sociedade asfixiada pelo materialismo, num planeta degradado pela ação inconseqüente do homem. Você, certamente, estará pensando: e a violência, como fica? Teremos uma sociedade mais justa? A riqueza será mais bem distribuída? As leis serão respeitadas? Infelizmente, não é possível dar respostas concretas nesta área, ao contrário do que ocorre nas ciências biológicas ou exatas. A solução desses problemas depende de escolhas humanas. "Depende da forma como o homem faz uso do saber e das decisões políticas e sociais para intervir no rumo da vida", diz o cientista social Gilberto de Palma Augusto.
Alguns cientistas e estudiosos afirmam, porém, que o futuro do planeta vai depender da busca espiritual, que estará sintetizando todas as coisas. Nada a ver com religiões ou dogmas, mas com a tomada de consciência de que já não basta deter o conhecimento. Será preciso saber manejá-lo de forma a garantir a sustentabilidade da vida. Segundo o professor de filosofia da ciência da computação da PUC de São Paulo, João Dantas de Oliveira Filho, a civilização está passando por uma fase de transição. "Está saindo de um processo materialista bastante profundo e entrando num período mais saudável, em que se busca um equilíbrio entre o plano físico e o espiritual."
"A espiritualidade impõe limites à ganância e à voracidade. Ela dá um sentido à existência. O ser humano está buscando exatamente isso: a comunhão com o divino", diz o professor e teólogo Leonardo Boff, com vários livros publicados, sendo o mais recente Saber Cuidar - Ética do Humano, Compaixão pela Terra (ed. Vozes, 199 págs.).
A dimensão espiritual será o elo para que as pessoas não se percam no meio da parafernália tecnológica que, cada vez mais, vai facilitar a vida do indivíduo, mas eventualmente promover seu isolamento. Ele entra em casa e o microondas se liga sozinho, a luz se acende sem que ele toque no interruptor, a banheira se enche automaticamente para preparar o banho e o que ele estiver fazendo será interpretado pelos computadores - que já não serão mais essas caixas que colocamos sobre a mesa do escritório, mas objetos minúsculos espalhados por cada ponto da casa.
No novo milênio tudo será digital e os contatos serão mais que imediatos. A Internet já se encarrega de circular, simultânea e instantaneamente, milhares de informações no mundo todo. Hoje ela tem mais de 100 milhões de usuários e não pára de crescer. "É o grande elemento de comunicação e integração entre os povos, de intervenção imediata, de disseminação da cultura e de pensamentos", diz o cientista político José Álvaro Moysés, secretário de Audiovisual do Ministério da Cultura.
quarta-feira, junho 30, 2004
sábado, junho 26, 2004
stratégias de vendas segundo Bill Gates
Saiu na dicas-l:
Em um artigo publicado no site CNet, em 2 de julho de 1998,
retratando uma conversa de Bill Gates com Warren Buffet,
sobre vários assuntos, a conversa chega em um ponto interessante,
The two recently stood before 350 business students at the
University of Washington to share their philosophies....
...
Gates shed some light on his own hard-nosed business
philosophy. "Although about 3 million computers get sold
every year in China, but people don't pay for the software,"
he said. "Someday they will, though. As long as they are going
to steal it, we want them to steal ours. They'll get sort of
addicted, and then we'll somehow figure out how to collect
sometime in the next decade."
http://news.com.com/2100-1023-212942.html?legacy=cnet
Em um artigo publicado no site CNet, em 2 de julho de 1998,
retratando uma conversa de Bill Gates com Warren Buffet,
sobre vários assuntos, a conversa chega em um ponto interessante,
The two recently stood before 350 business students at the
University of Washington to share their philosophies....
...
Gates shed some light on his own hard-nosed business
philosophy. "Although about 3 million computers get sold
every year in China, but people don't pay for the software,"
he said. "Someday they will, though. As long as they are going
to steal it, we want them to steal ours. They'll get sort of
addicted, and then we'll somehow figure out how to collect
sometime in the next decade."
http://news.com.com/2100-1023-212942.html?legacy=cnet
quarta-feira, junho 23, 2004
Saudade 'é a 7ª palavra mais difícil de traduzir'
Uma lista compilada por uma empresa britânica com as opiniões de mil tradutores profissionais coloca a palavra "saudade", em português, como a sétima mais difícil do mundo para se traduzir.
A relação da empresa Today Translations é encabeçada por uma palavra do idioma africano Tshiluba, falando no sudoeste da República Democrática do Congo: "ilunga".
"Ilunga" significa "uma pessoa que está disposta a perdoar qualquer maltrato pela primeira vez, a tolerar o mesmo pela segunda vez, mas nunca pela terceira vez".
Em segundo lugar ficou a palavra "shlimazi", em ídiche (língua germânica falada por judeus, especialmente na Europa central e oriental), que significa "uma pessoa cronicamente azarada"; e em terceiro, radioukacz, em polonês, que significa "uma pessoa que trabalhou como telegrafista para os movimentos de resistência ao domínio soviético nos países da antiga Cortina de Ferro".
Contexto cultural
Segundo a diretora da Today Translations, Jurga Ziliskiene, embora as definições acima sejam aparentemente precisas, o problema para o tradutor é refletir, com outras palavras, as referências à cultura local que os vocábulos originais carregam.
"Provavelmente você pode olhar no dicionário e (...) encontrar o significado", disse. "Mas, mais importante que isso, são as experiências culturais (...) e a ênfase cultural das palavras."
Veja a lista completa das dez palavras consideradas de mais difícil tradução:
1. Ilunga (tshiluba) uma pessoa que está disposta a perdoar qualquer maltrato pela primeira vez, a tolerar o mesmo pela segunda vez, mas nunca pela terceira vez.
2. Shlimazl (ídiche) uma pessoa cronicamente azarada
3. Radioukacz (polonês) pessoa que trabalhou como telegrafista para os movimentos de resistência o domínio soviético nos países da antiga Cortina de Ferro
4. Naa (japonês) palavra usada apenas em uma região do país para enfatizar declarações ou concordar com alguém
5. Altahmam (árabe) um tipo de tristeza profunda
6. Gezellig (holandês) aconchegante
7. Saudade
8. Selathirupavar (tâmil, língua falada no sul da Índia) palavra usada para definir um certo tipo de ausência não-autorizada frente a deveres
9. Pochemuchka (russo) uma pessoa que faz perguntas demais
10. Klloshar (albanês) perdedor
A relação da empresa Today Translations é encabeçada por uma palavra do idioma africano Tshiluba, falando no sudoeste da República Democrática do Congo: "ilunga".
"Ilunga" significa "uma pessoa que está disposta a perdoar qualquer maltrato pela primeira vez, a tolerar o mesmo pela segunda vez, mas nunca pela terceira vez".
Em segundo lugar ficou a palavra "shlimazi", em ídiche (língua germânica falada por judeus, especialmente na Europa central e oriental), que significa "uma pessoa cronicamente azarada"; e em terceiro, radioukacz, em polonês, que significa "uma pessoa que trabalhou como telegrafista para os movimentos de resistência ao domínio soviético nos países da antiga Cortina de Ferro".
Contexto cultural
Segundo a diretora da Today Translations, Jurga Ziliskiene, embora as definições acima sejam aparentemente precisas, o problema para o tradutor é refletir, com outras palavras, as referências à cultura local que os vocábulos originais carregam.
"Provavelmente você pode olhar no dicionário e (...) encontrar o significado", disse. "Mas, mais importante que isso, são as experiências culturais (...) e a ênfase cultural das palavras."
Veja a lista completa das dez palavras consideradas de mais difícil tradução:
1. Ilunga (tshiluba) uma pessoa que está disposta a perdoar qualquer maltrato pela primeira vez, a tolerar o mesmo pela segunda vez, mas nunca pela terceira vez.
2. Shlimazl (ídiche) uma pessoa cronicamente azarada
3. Radioukacz (polonês) pessoa que trabalhou como telegrafista para os movimentos de resistência o domínio soviético nos países da antiga Cortina de Ferro
4. Naa (japonês) palavra usada apenas em uma região do país para enfatizar declarações ou concordar com alguém
5. Altahmam (árabe) um tipo de tristeza profunda
6. Gezellig (holandês) aconchegante
7. Saudade
8. Selathirupavar (tâmil, língua falada no sul da Índia) palavra usada para definir um certo tipo de ausência não-autorizada frente a deveres
9. Pochemuchka (russo) uma pessoa que faz perguntas demais
10. Klloshar (albanês) perdedor
terça-feira, junho 22, 2004
SCO x IBM: o que está em jogo ?
Em primeiro lugar, gostaria de explicar, sem esgotar o assunto, o primeiro ponto que está em jogo nesta discussão: modelos de negócio. As empresas da era industrial, da linha de montagem Taylorista-Fordista baseiam seu esquema na diluição dos custos de seus produtos em função da massificação dos mesmos e no fato de que o custo de fabricação do segundo produto continua sendo comparável ao custo de fabricação do primeiro, e por isso a necessidade de diluição e da fabricação em massa.
Exemplificando: para produzir o primeiro carro é necessária a utilização de operários, robôs, galpões, maquinário, pessoal administrativo etc. Para fabricar o segundo carro, toda essa miríade de elementos também é necessária. Ora, para poder pagar tudo isso é necessário fabricar carros em massa, de maneira que o preço de venda cubra os custos gerando receita suficiente para cobrir as despesas e ainda sobrar para pagar os acionistas. Isso se aplica muito bem para bens tangíveis como carros, aviões, máquinas, telefones.
Neste modelo, usando a hipótese ceteris paribus os lucros aumentam se:
a) aumenta-se a produção e vende-se mais;
b) mantém-se a produção e aumenta-se o preço de venda;
c) diminuem-se os custos de produção.
Isto tudo funciona muito bem se os produtos são tangíveis e diferenciáveis, ou seja, dois carros são dois produtos distintos, por mais que sejam aparentemente iguais. O modelo de negócio industrial tem por premissa o fato de que a troca é feita bem a bem e que é necessária a mobilização dos mesmos elementos para a fabricação do segundo bem.
Por outro lado, quando um software é fabricado, uma outra miríade de elementos é mobilizada: analistas, software, hardware, pessoal administrativo etc. Existe aí uma diferença que é fundamental: quando um software é liberado para o consumidor, o segundo exemplar do software (a cópia) a ser vendido sai a custo muito menor para o fabricante.
Exemplificando: custa R$ 10 mil fabricar um software, mas se forem vendidos 10 mil softwares "iguais", o custo de cada um é irrisório. Sim, por que o custo vai ser diluído no número de cópias, e como o custo de uma cópia se aproxima de zero (por que o custo do processo de cópia se aproxima de zero), o que acontece é uma espécie de situação paradisíaca: fabrica-se um original e vendem-se milhares de cópias. A partir de um determinado instante quase tudo é lucro.
Mas o que acontece quando o consumidor resolve ele mesmo fabricar o produto? A resposta para cada caso (industrial x intelectual) é diferente, mas facilmente visível ou sensível (ao menos no bolso).
No caso industrial, é extremamente difícil o consumidor fabricar algo, pois seus recursos são, em geral, muito limitados. Tome-se o exemplo do carro: dificilmente alguém mobiliza os elementos necessários para fabricar um e apenas um carro para si, pois o custo de fabricação é maior que o custo de compra do mesmo em uma fábrica. O prof. Ronald H. Coase explica isso muito bem no seu artigo "The Nature of the Firm", datado de 1937 .
No caso intelectual, se o consumidor mobilizar um computador, softwares adequados, livros e internet, por exemplo, ele próprio pode fazer um software que atenda às suas necessidades, não precisando mais do fabricante de maneira tão intensa, pois ele mesmo se torna um fabricante. Os custos de mobilização, neste caso, são diferentes e bem menores. Eis alguns exemplos:
a) Um computador médio (Pentium III, por exemplo) sai na faixa de R$ 1,5 mil reais;
b) Os livros podem ser encontrados em bibliotecas a custo zero ou em livrarias que cobram preços que giram por volta de R$ 60;
c) O acesso à internet pode ser feito em um provedor gratuito;
d) A conta telefônica pode girar em torno dos R$ 150 mensais por causa do uso da internet;
e) dependendo dos programas de computador podem ser livres ou gratuitos. Em ambos os casos o custo beira a zero.
Ou seja, para fabricar um programa de computador, o gasto médio gira em torno R$ 2,25 mil (computador + 10 livros + um mês de conta telefônica). Os valores foram exagerados para que o leitor possa perceber que podem ser mais baixos.
Há mais um detalhe: se o carro rodar durante 200 mil km, ele se desgasta e as peças têm que ser trocadas; já se o software rodar 200 mil horas ele não se desgasta. O máximo que poderá acontecer é o hardware se desgastar e ter que ser trocado, mas o software não.
Usando a teoria do prof. Coase novamente, se o consumidor usa softwares como meio para seu trabalho pode ser mais barato comprar a fabricação e a manutenção do software de um terceiro. Como o custo de fabricação é um só, resta cobrar o serviço de manutenção. Por isso é que o modelo de negócio muda.
A pergunta que fica no ar é a seguinte: como as empresas que negociam programas de computador baseados em um modelo de negócio industrial (vendem o produto "final") sobrevivem quando o usuário vira programador (vende o serviço de manutenção) e o modelo de negócio muda? Podem ser listadas algumas saídas:
a) fechar as portas (mais drástica);
b) mudar a maneira de trabalhar (mudar de modelo de negócio);
c) agarrar-se à maneira antiga de trabalhar e tentar mantê-la a qualquer custo (usar de todos os meios, quaisquer que sejam, para manter o status quo, ou pelo menos ganhar tempo para pensar como migrar de maneira não traumática para as alternativas anteriores). Esta terceira maneira está sendo a opção de alguns fabricantes que estão no mercado há algum tempo. É isto que será analisado a partir de agora.
O caso SCO x IBM
O caso SCO x IBM é a ponta de um iceberg que já vem se construindo há algum tempo e é um caso típico de tentativa de manutenção de status quo de uma empresa de mentalidade industrial face a um novo modelo de negócios baseado em serviços, com o qual não está acostumada e com o qual não parece estar disposta a aderir.
Um dado importante para a análise que vai ser feita é saber que, pouco tempo depois da ação judicial SCO x IBM se iniciar, a Microsoft comprou a licença do Unix da SCO, ou seja, é supostamente interessante para a Microsoft que a SCO imponha e mantenha o seu Unix e o seu mercado, que representa a imposição de seu modelo de negócio, modelo esse que é o mesmo da Microsoft.
A IBM, por sua vez, empregou nos seus quadros pesquisadores como Brian Behlendorf e Andrew Tridgell, conhecidos como criadores dos projetos Apache e Samba, respectivamente. O Apache é o servidor de HTTP mais utilizado na internet e o Samba é um servidor de arquivos que pode substituir o servidor Windows NT e assemelhados.
A idéia da IBM foi, novamente, baseada na obra do prof. Coase: como seu servidor de páginas da plataforma WebSphere não ficava pronto, ela resolveu contratar um pesquisador de fora (Behlendorf) e que já trabalhava com um pronto (o Apache), ou seja, é mais barato contratar alguém fora do que fazer dentro da firma quando os custos internos são maiores. O livro Rebel Code de Glyn Moody conta a história da contratação do líder do Apache com detalhes.
Mas a IBM é uma empresa e ela possuía outras intenções. E quais eram?
Ora, a IBM sempre esmerou seus negócios em duas palavras: marketing e manutenção. É sabido que as máquinas da IBM raramente param, e quando param a manutenção (pelo menos para os grandes clientes) é rápida e eficaz. O marketing dispensa comentários.
Mas com a computação cooperativa entrando nas corporações e o predomínio dos computadores de mesa que ela própria ajudou a criar, houve uma movimentação no mercado em direção ao downsizing. A IBM entendeu o recado do mercado e se movimentou para se ajustar. As contratações citadas são apenas exemplo de um movimento em direção a um outro modelo de negócio. E observe-se que o ajuste foi feito para manter as palavras base do core-business da IBM que são marketing e manutenção.
Explicando melhor: nos dias de hoje a imprensa está expondo cada vez mais os programas de computador livres, nos quais vários colaboradores trabalham para mantê-los, muitas vezes apenas pelo mérito de participar de projetos ditos livres. Na visão do programador cujo estímulo para trabalhar tem forte base no mérito - um hacker - qual a maior honra do que falar "diretamente" (via e-mail) com Brian Behlendorf? Ou com Andrew Tridgel? E de ter um programa aceito no projeto de hackers deste nível? Eric Raymond explica bem estas atitudes no seu livro The Cathedral and the Bazaar.
Sob esse ponto de vista, cada projeto (no caso, os citados Apache e Samba) passa a ter uma base de manutenção em nível mundial e a IBM entra para o time dos bem-vistos pelo pessoal que trabalha com open source (para as empresas) ou free softwares (para os hackers) pois patrocina o trabalho de líderes. A IBM ganha dos dois lados - mercado e meio acadêmico - e mantém as suas duas palavras básicas: marketing - "alguns hackers líderes de projeto estão aqui" - e manutenção - "temos a maior base de programadores do mundo".
E o que acontece com a SCO? Sem conseguir mudar o seu modelo de negócios e sem resposta para dar a seus acionistas resta-lhe atacar a IBM da maneira que lhe for possível. Aí vem a pergunta: como a SCO vai pagar advogados? Existem duas possibilidades básicas: a) os advogados concordam em fazer um contrato de risco e receber os honorários se a SCO ganhar a lide ou b) alguém injeta dinheiro na SCO para que a lide continue, ou seja, paga para ver.
Ora, segundo o prof. Milton Friedman, Nobel de Economia de 1976, "não existe almoço grátis" , ou seja, os advogados vão querer receber, ainda mais vendo quem está do outro lado: a IBM, que não é pequena em termos financeiros. Resta a pergunta: quem estaria injetando dinheiro na SCO?
Para poder tentar responder esta pergunta é necessário observar outras perguntas:
a) Quem, no mundo do software, certamente está deixando de ganhar dinheiro com a proliferação descontrolada do software livre/open source?
b) Quem, no mundo do software, já foi acusado de prática de dumping no que diz respeito ao custo de softwares, pelo menos no mundo dos microcomputadores?
c) Quem tem a maior base instalada em termos de sistemas operacionais de microcomputadores, pelo menos no mundo ocidental?
d) Quem soltou o primeiro manifesto de que se tem notícia sobre por que softwares devem ser comprados e não dados?
e) Quem recentemente colocou o software livre/aberto, em particular o Linux, com a sua segunda maior ameaça em termos de mercado?
f) Quem faz lobby, inclusive junto a governos, no sentido da "liberdade" de escolha, usando como argumento a "neutralidade" técnica ?
Enfim, quem tem interesse de que o status quo se mantenha? A resposta parece clara: a Microsoft. E o que a Microsoft tem a ver com a SCO e com a IBM? É o que será comentado a seguir.
Observando o caso SCO x IBM como um jogo
Tendo por base o Manual de Economia da Equipe de Professores da USP, pode-se encarar o caso SCO x IBM como um jogo não-cooperativo, seqüencial (como todo processo judicial) e com informação completa (as informações para o andamento do processo está nos autos, que são plenamente acessíveis aos jogadores), sendo que os jogadores ostensivos são SCO e a IBM. A figura abaixo representa possíveis estratégias dos jogadores:
Figura 1 - Jogadores e suas Estratégias
Segue-se uma descrição de cada um dos playoffs apresentados:
Situação 1 - a SCO ataca IBM que ataca SCO
Supondo que o processo SCO x IBM continue por um bom tempo, ou seja, que haja holofotes grandes sobre estas duas empresas, isso acaba virando algo maniqueísta (típico da cultura anglo-saxã) - a má SCO contra a boa IBM. Esta polarização, no que diz respeito a discursos, é comentada por John Law na introdução do seu livro Aircraft Stories.
Mantendo-se a situação por um bom tempo, a SCO passa a ser o foco das atenções e dos ódios/rancores desviando este foco, que estava sobre a Microsoft. A Microsoft ganha, pois deixa de ser vista como o "lado negro da força", passando o cargo à SCO.
Tal situação ainda faz com que a IBM tenha que avaliar cada passo que vai dar por causa de conseqüências judiciais futuras. Este tempo gasto pela IBM gera custos, o que pode levá-la a um questionamento sobre se vale e até onde vale continuar a investir em software livre.
Situação 2 - a SCO ganha (IBM perde)
Supondo vitória judicial da SCO a Microsoft ganha, pois estava ao seu lado o tempo todo, pelo menos no que diz respeito aos tribunais. O que vai ficar nos autos do processo e anais da história é o fato de que uma pequena companhia (a SCO) conseguiu vencer a grande companhia (a IBM). Algo como David e Golias, sendo a Justiça a funda;
Situação 3 - a SCO perde (IBM ganha)
Supondo vitória judicial da IBM, a sentença abre precedente para outras, segundo o Direito Anglo-Saxão, que julga caso com base em casos concretos. Acontecerá uma situação de conforto e de estabilidade no mercado no que diz respeito ao uso do Linux, até por que não haverá interesse da IBM em processar quem quer que seja pela razões já descritas no presente texto.
Apesar da vitória judicial a IBM terá perdido tempo e dinheiro. A Microsoft terá ganho tempo para começa testar o Linux e ver o que vai fazer no que diz respeito a ele, isto sem estar sob o foco dos holofotes
Situação 4 - a SCO desiste do processo
Supondo desistência da SCO o processo se extingue por falta de interesse da parte autora. Muito dinheiro da IBM já terá sido usado em custas judicias e restará a ela tentar reaver o dinheiro iniciando um outro jogo (que aliás já começou).
Restará para outras empresas do mercado perguntar: "isso pode acontecer comigo? Eu não sou do tamanho da IBM. E aí?" E aí entra a Microsoft, que ganha usando o velho efeito FUD (Fear - medo, Uncertantinty - incerteza e Doubt - dúvida) para convencer os consumidores de que "a Microsoft esteve fora disso o tempo todo. Nós nada temos a ver com isso. Compre nosso produtos e você não terá problemas. Alie-se a nós."
Situação 5 - a SCO aceita acordo (a IBM aceita acordo)
Supondo que haja um acordo judicial, isso vai gerar um situação de instabilidade no mercado, que vai, pelo menos durante algum tempo, desconfiar do uso do Linux justamente por causa do início do caso SCO x IBM, pois um acordo se dá apenas entre as partes; não vale para todo o mercado.
A pergunta da situação anterior mostra-se válida novamente (e a resposta também).
Situação 6 - a IBM compra a SCO
O processo morre pela morte da parte autora (a SCO deixa de existir como empresa e a IBM herda o processo, passando a nova autora. Como o autor não pode continuar um processo contra si mesmo o processo morre).
Encerram-se as controvérsias e acendem-se os holofotes da vitória sobre a IBM, que posa como defensora do Linux e da liberdade levando, inclusive, os direitos do licenciamento que foram concedidos pela SCO à Microsoft. Neste caso a Microsoft perde.
Quem ganha e quem perde ?
As cinco primeiras situações são soluções judiciais para o problema. A única situação em que a Justiça se retira é a última. Como já foi comentado, não há processo sem autor.
Nas cinco primeiras situações encontram-se boas razões pelas quais a Microsoft não fala, não escreve, não toma atitudes, enfim, não se mete. Não é interessante para ela se meter, pois ela ganha, nem que seja tempo, qualquer que seja a decisão judicial. A sexta situação é aquela em que a Microsoft pode perder: no caso da compra SCO pela IBM. Mas será que interessa à SCO ser comprada? E, caso positivo, por quê?
Por que é interessante para a SCO ser comprada pela IBM
Algumas razões pelas quais é interessante para a SCO ser comprada são as seguintes: seu expertise é em POSIX (UNIX e assemelhados), seus executivos não mais correriam o risco de haver, como no caso do Brasil, perante um tribunal, a despersonalização da pessoa jurídica (sai a SCO e entram em cena os administradores da SCO), de terem os problemas que aconteceram aos administradores da Enron, por exemplo (contas bancárias confiscadas; suicídio de um diretor da companhia; ameaça de cadeia por parte do governo americano).
Seguindo esta linha de pensamento, o interesse da SCO é ser comprada por alguém que resolva seus problemas financeiros e jurídicos. Esse tipo de atitude já aconteceu com outras empresas. Um exemplo é o da compra da Netscape pela AOL e da morte do processo movido contra a Microsoft por causa do embutimento do browser Internet Explorer no sistema operacional.
Por isso é interessante para a SCO ser comprada pela IBM: isso resolve os problemas financeiros (responsabilidade perante os acionistas) e jurídicos (o processo é declarado extinto) citados anteriormente.
Começa um "novo" jogo
O "novo" jogo chama-se Red-Hat x SCO, pois a primeira também resolveu tomar duas atitudes: a) entrar com processo contra a SCO e b) constituir um fundo para que outras empresas que trabalhem com Linux não corram riscos de uma ameaça do mesmo tipo.
Observando esta atitude da Red-Hat e os problemas que os processos judiciais estão provocando em termos de vendas de serviços baseados em Linux, pode-se pensar de uma maneira simplista: "a Red-Hat moveu processo contra a SCO por que está perdendo dinheiro com a má propaganda sobre cobrança de licenças e com o efeito FUD".
Mas há outra possibilidade, esta menos aventada: a Red-Hat quer eliminar a SCO por asfixia e fazer o processo morrer, o que corresponde à situação 4. A asfixia se deve ao seguinte fato: até onde a SCO (supostamente apoiada financeiramente pela Microsoft) agüenta pagar custas judiciais para manter o processo andando? Independente da pergunta, pode-se observar que a Microsoft ainda ganha o jogo.
Neste caso, como no caso da IBM, a Red-Hat só ganha se comprar a SCO, pela mesmas razões apontadas para a compra da SCO pela IBM.
Conclusão
Mudanças quase sempre encontram resistências. Principalmente quando as mudanças mexem com estruturas aparentemente sólidas, que foram construídas ao longo de muito tempo e que acabaram se tornando modos de agir bem conhecidos. Correr riscos é algo que não atrai muito quem está numa situação de conforto, principalmente quando o risco é da perda na "naturalidade" que existe na situação.
O modelo de negócio industrial, que tem em um de seus pilares o bem tangível e concreto, a cada dia mostra-se mais exaurido face a um "modelo informacional" (se é que existe um), que já mostra um de seus pilares: o intangível, o abstrato. Um dos bens que representa este novo "modelo" chama-se conhecimento.
Esse conhecimento, quando codificado e sob a forma de software, engana a muitos que pensam que ele passa a ser tangível, uma vez gravado na mídia que o transporta. Diante disso, o vendedor lança mão da negociação com base no modelo industrial, o que a outra parte aceita por pensar que está recebendo algo tangível, quando o que está recebendo é o resultado de um mero processo de cópia e não de produção direta.
Ao perceber o engano e refletir sobre o valor de troca (no caso a mídia) e sobre valor de uso (no caso o do software), o comprador coloca em xeque o modelo industrial de negócios do vendedor como um todo.
Sem saber como agir diante de tal reflexão, o vendedor passa a atacar os primeiros ao seu redor que enxerga como adversários: outros vendedores (que já não mais compactuam com seu modelo de negócio), e os próprios compradores (que querem um novo modelo para a negociação). Nesse instante o vendedor lança mão de todos os artifícios possíves e até a Justiça é chamada para ajudar.
O caso da SCO x IBM é um exemplo de tal atitude. É o primeiro com tanta publicidade, mas provavelmente não será o último. Muito dinheiro e esforço ainda há de ser desperdiçado com contendas fora e dentro dos tribunais até que se configure uma situação de mercado novamente estável, com um "modelo informacional" substituindo o modelo industrial para a produção e venda do software.
Resta ver o que vai acontecer acabar primeiro: falta de recursos de qualquer espécie (financeiros, judiciais etc) contra a mudança, a falência ou a adaptação daqueles que insistem em manter o (já antigo) estado de coisas.
Exemplificando: para produzir o primeiro carro é necessária a utilização de operários, robôs, galpões, maquinário, pessoal administrativo etc. Para fabricar o segundo carro, toda essa miríade de elementos também é necessária. Ora, para poder pagar tudo isso é necessário fabricar carros em massa, de maneira que o preço de venda cubra os custos gerando receita suficiente para cobrir as despesas e ainda sobrar para pagar os acionistas. Isso se aplica muito bem para bens tangíveis como carros, aviões, máquinas, telefones.
Neste modelo, usando a hipótese ceteris paribus os lucros aumentam se:
a) aumenta-se a produção e vende-se mais;
b) mantém-se a produção e aumenta-se o preço de venda;
c) diminuem-se os custos de produção.
Isto tudo funciona muito bem se os produtos são tangíveis e diferenciáveis, ou seja, dois carros são dois produtos distintos, por mais que sejam aparentemente iguais. O modelo de negócio industrial tem por premissa o fato de que a troca é feita bem a bem e que é necessária a mobilização dos mesmos elementos para a fabricação do segundo bem.
Por outro lado, quando um software é fabricado, uma outra miríade de elementos é mobilizada: analistas, software, hardware, pessoal administrativo etc. Existe aí uma diferença que é fundamental: quando um software é liberado para o consumidor, o segundo exemplar do software (a cópia) a ser vendido sai a custo muito menor para o fabricante.
Exemplificando: custa R$ 10 mil fabricar um software, mas se forem vendidos 10 mil softwares "iguais", o custo de cada um é irrisório. Sim, por que o custo vai ser diluído no número de cópias, e como o custo de uma cópia se aproxima de zero (por que o custo do processo de cópia se aproxima de zero), o que acontece é uma espécie de situação paradisíaca: fabrica-se um original e vendem-se milhares de cópias. A partir de um determinado instante quase tudo é lucro.
Mas o que acontece quando o consumidor resolve ele mesmo fabricar o produto? A resposta para cada caso (industrial x intelectual) é diferente, mas facilmente visível ou sensível (ao menos no bolso).
No caso industrial, é extremamente difícil o consumidor fabricar algo, pois seus recursos são, em geral, muito limitados. Tome-se o exemplo do carro: dificilmente alguém mobiliza os elementos necessários para fabricar um e apenas um carro para si, pois o custo de fabricação é maior que o custo de compra do mesmo em uma fábrica. O prof. Ronald H. Coase explica isso muito bem no seu artigo "The Nature of the Firm", datado de 1937 .
No caso intelectual, se o consumidor mobilizar um computador, softwares adequados, livros e internet, por exemplo, ele próprio pode fazer um software que atenda às suas necessidades, não precisando mais do fabricante de maneira tão intensa, pois ele mesmo se torna um fabricante. Os custos de mobilização, neste caso, são diferentes e bem menores. Eis alguns exemplos:
a) Um computador médio (Pentium III, por exemplo) sai na faixa de R$ 1,5 mil reais;
b) Os livros podem ser encontrados em bibliotecas a custo zero ou em livrarias que cobram preços que giram por volta de R$ 60;
c) O acesso à internet pode ser feito em um provedor gratuito;
d) A conta telefônica pode girar em torno dos R$ 150 mensais por causa do uso da internet;
e) dependendo dos programas de computador podem ser livres ou gratuitos. Em ambos os casos o custo beira a zero.
Ou seja, para fabricar um programa de computador, o gasto médio gira em torno R$ 2,25 mil (computador + 10 livros + um mês de conta telefônica). Os valores foram exagerados para que o leitor possa perceber que podem ser mais baixos.
Há mais um detalhe: se o carro rodar durante 200 mil km, ele se desgasta e as peças têm que ser trocadas; já se o software rodar 200 mil horas ele não se desgasta. O máximo que poderá acontecer é o hardware se desgastar e ter que ser trocado, mas o software não.
Usando a teoria do prof. Coase novamente, se o consumidor usa softwares como meio para seu trabalho pode ser mais barato comprar a fabricação e a manutenção do software de um terceiro. Como o custo de fabricação é um só, resta cobrar o serviço de manutenção. Por isso é que o modelo de negócio muda.
A pergunta que fica no ar é a seguinte: como as empresas que negociam programas de computador baseados em um modelo de negócio industrial (vendem o produto "final") sobrevivem quando o usuário vira programador (vende o serviço de manutenção) e o modelo de negócio muda? Podem ser listadas algumas saídas:
a) fechar as portas (mais drástica);
b) mudar a maneira de trabalhar (mudar de modelo de negócio);
c) agarrar-se à maneira antiga de trabalhar e tentar mantê-la a qualquer custo (usar de todos os meios, quaisquer que sejam, para manter o status quo, ou pelo menos ganhar tempo para pensar como migrar de maneira não traumática para as alternativas anteriores). Esta terceira maneira está sendo a opção de alguns fabricantes que estão no mercado há algum tempo. É isto que será analisado a partir de agora.
O caso SCO x IBM
O caso SCO x IBM é a ponta de um iceberg que já vem se construindo há algum tempo e é um caso típico de tentativa de manutenção de status quo de uma empresa de mentalidade industrial face a um novo modelo de negócios baseado em serviços, com o qual não está acostumada e com o qual não parece estar disposta a aderir.
Um dado importante para a análise que vai ser feita é saber que, pouco tempo depois da ação judicial SCO x IBM se iniciar, a Microsoft comprou a licença do Unix da SCO, ou seja, é supostamente interessante para a Microsoft que a SCO imponha e mantenha o seu Unix e o seu mercado, que representa a imposição de seu modelo de negócio, modelo esse que é o mesmo da Microsoft.
A IBM, por sua vez, empregou nos seus quadros pesquisadores como Brian Behlendorf e Andrew Tridgell, conhecidos como criadores dos projetos Apache e Samba, respectivamente. O Apache é o servidor de HTTP mais utilizado na internet e o Samba é um servidor de arquivos que pode substituir o servidor Windows NT e assemelhados.
A idéia da IBM foi, novamente, baseada na obra do prof. Coase: como seu servidor de páginas da plataforma WebSphere não ficava pronto, ela resolveu contratar um pesquisador de fora (Behlendorf) e que já trabalhava com um pronto (o Apache), ou seja, é mais barato contratar alguém fora do que fazer dentro da firma quando os custos internos são maiores. O livro Rebel Code de Glyn Moody conta a história da contratação do líder do Apache com detalhes.
Mas a IBM é uma empresa e ela possuía outras intenções. E quais eram?
Ora, a IBM sempre esmerou seus negócios em duas palavras: marketing e manutenção. É sabido que as máquinas da IBM raramente param, e quando param a manutenção (pelo menos para os grandes clientes) é rápida e eficaz. O marketing dispensa comentários.
Mas com a computação cooperativa entrando nas corporações e o predomínio dos computadores de mesa que ela própria ajudou a criar, houve uma movimentação no mercado em direção ao downsizing. A IBM entendeu o recado do mercado e se movimentou para se ajustar. As contratações citadas são apenas exemplo de um movimento em direção a um outro modelo de negócio. E observe-se que o ajuste foi feito para manter as palavras base do core-business da IBM que são marketing e manutenção.
Explicando melhor: nos dias de hoje a imprensa está expondo cada vez mais os programas de computador livres, nos quais vários colaboradores trabalham para mantê-los, muitas vezes apenas pelo mérito de participar de projetos ditos livres. Na visão do programador cujo estímulo para trabalhar tem forte base no mérito - um hacker - qual a maior honra do que falar "diretamente" (via e-mail) com Brian Behlendorf? Ou com Andrew Tridgel? E de ter um programa aceito no projeto de hackers deste nível? Eric Raymond explica bem estas atitudes no seu livro The Cathedral and the Bazaar.
Sob esse ponto de vista, cada projeto (no caso, os citados Apache e Samba) passa a ter uma base de manutenção em nível mundial e a IBM entra para o time dos bem-vistos pelo pessoal que trabalha com open source (para as empresas) ou free softwares (para os hackers) pois patrocina o trabalho de líderes. A IBM ganha dos dois lados - mercado e meio acadêmico - e mantém as suas duas palavras básicas: marketing - "alguns hackers líderes de projeto estão aqui" - e manutenção - "temos a maior base de programadores do mundo".
E o que acontece com a SCO? Sem conseguir mudar o seu modelo de negócios e sem resposta para dar a seus acionistas resta-lhe atacar a IBM da maneira que lhe for possível. Aí vem a pergunta: como a SCO vai pagar advogados? Existem duas possibilidades básicas: a) os advogados concordam em fazer um contrato de risco e receber os honorários se a SCO ganhar a lide ou b) alguém injeta dinheiro na SCO para que a lide continue, ou seja, paga para ver.
Ora, segundo o prof. Milton Friedman, Nobel de Economia de 1976, "não existe almoço grátis" , ou seja, os advogados vão querer receber, ainda mais vendo quem está do outro lado: a IBM, que não é pequena em termos financeiros. Resta a pergunta: quem estaria injetando dinheiro na SCO?
Para poder tentar responder esta pergunta é necessário observar outras perguntas:
a) Quem, no mundo do software, certamente está deixando de ganhar dinheiro com a proliferação descontrolada do software livre/open source?
b) Quem, no mundo do software, já foi acusado de prática de dumping no que diz respeito ao custo de softwares, pelo menos no mundo dos microcomputadores?
c) Quem tem a maior base instalada em termos de sistemas operacionais de microcomputadores, pelo menos no mundo ocidental?
d) Quem soltou o primeiro manifesto de que se tem notícia sobre por que softwares devem ser comprados e não dados?
e) Quem recentemente colocou o software livre/aberto, em particular o Linux, com a sua segunda maior ameaça em termos de mercado?
f) Quem faz lobby, inclusive junto a governos, no sentido da "liberdade" de escolha, usando como argumento a "neutralidade" técnica ?
Enfim, quem tem interesse de que o status quo se mantenha? A resposta parece clara: a Microsoft. E o que a Microsoft tem a ver com a SCO e com a IBM? É o que será comentado a seguir.
Observando o caso SCO x IBM como um jogo
Tendo por base o Manual de Economia da Equipe de Professores da USP, pode-se encarar o caso SCO x IBM como um jogo não-cooperativo, seqüencial (como todo processo judicial) e com informação completa (as informações para o andamento do processo está nos autos, que são plenamente acessíveis aos jogadores), sendo que os jogadores ostensivos são SCO e a IBM. A figura abaixo representa possíveis estratégias dos jogadores:
Figura 1 - Jogadores e suas Estratégias
Segue-se uma descrição de cada um dos playoffs apresentados:
Situação 1 - a SCO ataca IBM que ataca SCO
Supondo que o processo SCO x IBM continue por um bom tempo, ou seja, que haja holofotes grandes sobre estas duas empresas, isso acaba virando algo maniqueísta (típico da cultura anglo-saxã) - a má SCO contra a boa IBM. Esta polarização, no que diz respeito a discursos, é comentada por John Law na introdução do seu livro Aircraft Stories.
Mantendo-se a situação por um bom tempo, a SCO passa a ser o foco das atenções e dos ódios/rancores desviando este foco, que estava sobre a Microsoft. A Microsoft ganha, pois deixa de ser vista como o "lado negro da força", passando o cargo à SCO.
Tal situação ainda faz com que a IBM tenha que avaliar cada passo que vai dar por causa de conseqüências judiciais futuras. Este tempo gasto pela IBM gera custos, o que pode levá-la a um questionamento sobre se vale e até onde vale continuar a investir em software livre.
Situação 2 - a SCO ganha (IBM perde)
Supondo vitória judicial da SCO a Microsoft ganha, pois estava ao seu lado o tempo todo, pelo menos no que diz respeito aos tribunais. O que vai ficar nos autos do processo e anais da história é o fato de que uma pequena companhia (a SCO) conseguiu vencer a grande companhia (a IBM). Algo como David e Golias, sendo a Justiça a funda;
Situação 3 - a SCO perde (IBM ganha)
Supondo vitória judicial da IBM, a sentença abre precedente para outras, segundo o Direito Anglo-Saxão, que julga caso com base em casos concretos. Acontecerá uma situação de conforto e de estabilidade no mercado no que diz respeito ao uso do Linux, até por que não haverá interesse da IBM em processar quem quer que seja pela razões já descritas no presente texto.
Apesar da vitória judicial a IBM terá perdido tempo e dinheiro. A Microsoft terá ganho tempo para começa testar o Linux e ver o que vai fazer no que diz respeito a ele, isto sem estar sob o foco dos holofotes
Situação 4 - a SCO desiste do processo
Supondo desistência da SCO o processo se extingue por falta de interesse da parte autora. Muito dinheiro da IBM já terá sido usado em custas judicias e restará a ela tentar reaver o dinheiro iniciando um outro jogo (que aliás já começou).
Restará para outras empresas do mercado perguntar: "isso pode acontecer comigo? Eu não sou do tamanho da IBM. E aí?" E aí entra a Microsoft, que ganha usando o velho efeito FUD (Fear - medo, Uncertantinty - incerteza e Doubt - dúvida) para convencer os consumidores de que "a Microsoft esteve fora disso o tempo todo. Nós nada temos a ver com isso. Compre nosso produtos e você não terá problemas. Alie-se a nós."
Situação 5 - a SCO aceita acordo (a IBM aceita acordo)
Supondo que haja um acordo judicial, isso vai gerar um situação de instabilidade no mercado, que vai, pelo menos durante algum tempo, desconfiar do uso do Linux justamente por causa do início do caso SCO x IBM, pois um acordo se dá apenas entre as partes; não vale para todo o mercado.
A pergunta da situação anterior mostra-se válida novamente (e a resposta também).
Situação 6 - a IBM compra a SCO
O processo morre pela morte da parte autora (a SCO deixa de existir como empresa e a IBM herda o processo, passando a nova autora. Como o autor não pode continuar um processo contra si mesmo o processo morre).
Encerram-se as controvérsias e acendem-se os holofotes da vitória sobre a IBM, que posa como defensora do Linux e da liberdade levando, inclusive, os direitos do licenciamento que foram concedidos pela SCO à Microsoft. Neste caso a Microsoft perde.
Quem ganha e quem perde ?
As cinco primeiras situações são soluções judiciais para o problema. A única situação em que a Justiça se retira é a última. Como já foi comentado, não há processo sem autor.
Nas cinco primeiras situações encontram-se boas razões pelas quais a Microsoft não fala, não escreve, não toma atitudes, enfim, não se mete. Não é interessante para ela se meter, pois ela ganha, nem que seja tempo, qualquer que seja a decisão judicial. A sexta situação é aquela em que a Microsoft pode perder: no caso da compra SCO pela IBM. Mas será que interessa à SCO ser comprada? E, caso positivo, por quê?
Por que é interessante para a SCO ser comprada pela IBM
Algumas razões pelas quais é interessante para a SCO ser comprada são as seguintes: seu expertise é em POSIX (UNIX e assemelhados), seus executivos não mais correriam o risco de haver, como no caso do Brasil, perante um tribunal, a despersonalização da pessoa jurídica (sai a SCO e entram em cena os administradores da SCO), de terem os problemas que aconteceram aos administradores da Enron, por exemplo (contas bancárias confiscadas; suicídio de um diretor da companhia; ameaça de cadeia por parte do governo americano).
Seguindo esta linha de pensamento, o interesse da SCO é ser comprada por alguém que resolva seus problemas financeiros e jurídicos. Esse tipo de atitude já aconteceu com outras empresas. Um exemplo é o da compra da Netscape pela AOL e da morte do processo movido contra a Microsoft por causa do embutimento do browser Internet Explorer no sistema operacional.
Por isso é interessante para a SCO ser comprada pela IBM: isso resolve os problemas financeiros (responsabilidade perante os acionistas) e jurídicos (o processo é declarado extinto) citados anteriormente.
Começa um "novo" jogo
O "novo" jogo chama-se Red-Hat x SCO, pois a primeira também resolveu tomar duas atitudes: a) entrar com processo contra a SCO e b) constituir um fundo para que outras empresas que trabalhem com Linux não corram riscos de uma ameaça do mesmo tipo.
Observando esta atitude da Red-Hat e os problemas que os processos judiciais estão provocando em termos de vendas de serviços baseados em Linux, pode-se pensar de uma maneira simplista: "a Red-Hat moveu processo contra a SCO por que está perdendo dinheiro com a má propaganda sobre cobrança de licenças e com o efeito FUD".
Mas há outra possibilidade, esta menos aventada: a Red-Hat quer eliminar a SCO por asfixia e fazer o processo morrer, o que corresponde à situação 4. A asfixia se deve ao seguinte fato: até onde a SCO (supostamente apoiada financeiramente pela Microsoft) agüenta pagar custas judiciais para manter o processo andando? Independente da pergunta, pode-se observar que a Microsoft ainda ganha o jogo.
Neste caso, como no caso da IBM, a Red-Hat só ganha se comprar a SCO, pela mesmas razões apontadas para a compra da SCO pela IBM.
Conclusão
Mudanças quase sempre encontram resistências. Principalmente quando as mudanças mexem com estruturas aparentemente sólidas, que foram construídas ao longo de muito tempo e que acabaram se tornando modos de agir bem conhecidos. Correr riscos é algo que não atrai muito quem está numa situação de conforto, principalmente quando o risco é da perda na "naturalidade" que existe na situação.
O modelo de negócio industrial, que tem em um de seus pilares o bem tangível e concreto, a cada dia mostra-se mais exaurido face a um "modelo informacional" (se é que existe um), que já mostra um de seus pilares: o intangível, o abstrato. Um dos bens que representa este novo "modelo" chama-se conhecimento.
Esse conhecimento, quando codificado e sob a forma de software, engana a muitos que pensam que ele passa a ser tangível, uma vez gravado na mídia que o transporta. Diante disso, o vendedor lança mão da negociação com base no modelo industrial, o que a outra parte aceita por pensar que está recebendo algo tangível, quando o que está recebendo é o resultado de um mero processo de cópia e não de produção direta.
Ao perceber o engano e refletir sobre o valor de troca (no caso a mídia) e sobre valor de uso (no caso o do software), o comprador coloca em xeque o modelo industrial de negócios do vendedor como um todo.
Sem saber como agir diante de tal reflexão, o vendedor passa a atacar os primeiros ao seu redor que enxerga como adversários: outros vendedores (que já não mais compactuam com seu modelo de negócio), e os próprios compradores (que querem um novo modelo para a negociação). Nesse instante o vendedor lança mão de todos os artifícios possíves e até a Justiça é chamada para ajudar.
O caso da SCO x IBM é um exemplo de tal atitude. É o primeiro com tanta publicidade, mas provavelmente não será o último. Muito dinheiro e esforço ainda há de ser desperdiçado com contendas fora e dentro dos tribunais até que se configure uma situação de mercado novamente estável, com um "modelo informacional" substituindo o modelo industrial para a produção e venda do software.
Resta ver o que vai acontecer acabar primeiro: falta de recursos de qualquer espécie (financeiros, judiciais etc) contra a mudança, a falência ou a adaptação daqueles que insistem em manter o (já antigo) estado de coisas.
sexta-feira, junho 11, 2004
Sobre o comportamento de brasileiros no Orkut
Nosso amigo fica um pouco irritado com certa má educação típica de alguns brasileiros – fazer posts idiotas para todos os amigos dos amigos e assim tornar inviável a leitura das mensagens
Eu odeio os brasileiros malas do Orkut. É. Eu odeio.
Mania de brasileiro achar que americano não liga para nós e que isso está errado. Você sabe qual a capital da Albânia? Não? Pois é. Nós brasileiros não damos a mínima para os albaneses. Se um dia tiver amigos lá, vou tratar de me informar um pouco mais (provavelmente, até terminar de escrever isto eu já terei dado uma espiada em alguma enciclopédia para ver qual é a capital da Albânia).
Nos últimos dias eu tenho visto um aumento pronunciado no nível médio de estupidez na net. As pessoas são, no geral, estúpidas - eu não tenho ilusões a esse respeito desde minha adolescência. Meu maior problema é que, quanto mais estúpida a pessoa, mais barulhenta ela é - mais comunidades cria, mais mensagens posta, mais barulho faz. A cada estúpido barulhento que eu vejo, minha fé na humanidade morre um pouco. Isso eu não perdôo.
E quanto mais barulho os brasileiros estúpidos fazem, menos as pessoas (eu inclusive) gostam dos brasileiros em geral.
Isso vale para todos os povos, a propósito. Outra hora eu traduzo o texto pro inglês para que estúpidos barulhentos de todo o mundo possam lê-lo.
O Orkut é ruimOutro dia vi um imbecil (não posso dar outro adjetivo sem mentir) reclamar que as estatísticas do Orkut não são divididas por estado no caso do Brasil.
Poupem-me, por favor.
Eu não sei de cor os nomes dos departamentos da Argentina (já acho que sei muito por saber que é assim que eles chamam os "estados" deles) e metade do meu carro foi feito lá. Do Japão, eu só lembro das ilhas de Hondo e Hokaido. Meu telefone foi feito na França e eu nem sabia que valia a pena economicamente fazer celulares lá. Eu não saberia dizer os nomes de 20% dos estados dos EUA (e eu converso com um monte de gente que mora lá). Porque diabos eles têm que saber os nomes dos estados brasileiros? Quem, além de brasileiros, se interessa por isso?
Ah... Mas somos a segunda maior comunidade do Orkut.
E daí? O que é que eles têm com isso? Que bom que somos – sinal de que temos muitos amigos (ou que somos menos seletivos), de que somos um povo saudável, de que cultivamos as virtudes da amizade e da cortesia e que gostamos, de verdade, do nosso próximo. Bom para nós.
O que não dá é ficar cobrando que um serviço gratuito (alimentado pelos seus dados) se desdobre para acomodar as necessidades de uma população específica. O Orkut (site) é do Orkut (pessoa) e ele faz com ele o que bem entender. Ele e seus padrinhos corporativos (o povo do Google) já fazem bastante mantendo a coisa de pé. O Orkutês
Qual a língua do Orkut? Assim, a primeira vista, eu diria que é inglês. As interfaces estão em inglês, os botões estão em inglês – tudo, exceto as mensagens, está em inglês.
Alguns americanos gostam de reclamar do número de comunidades com mensagens e títulos em português. Quando eu procuro alguma informação, eu procuro algo em alguma língua que eu entenda. Quase todos nós (os que me lêem ao menos), entendemos um pouco, pelo menos, de inglês. É a segunda língua de quase todos os povos. Justo ou injusto, bonito ou feio, é um fato da vida. Coitadinhos dos americanos (e de mais meia dúzia de países) que só falam uma língua. O fato de existirem comunidades em alemão não me incomoda, embora eu seja tão fluente em alemão quanto um orangotango. Eu respeito e acho absolutamente normal que os alemães prefiram escrever em sua própria língua. Eu, por exemplo, escrevi esse texto em português, que, embora não seja a primeira língua que eu aprendi, é aquela em que eu me expresso melhor.
De qualquer modo, o fato de existir uma língua na qual podemos todos nos comunicar, é extremamente significativo e é um passo na direção certa. Não me importa se é inglês, esperanto ou klingon. A língua é uma ferramenta. Se eu quero falar com pessoas de vários países ao mesmo tempo, eu uso o inglês – as chances de ser entendido serão maiores e ser entendido é o que eu quero. Se eu precisar falar com um bando de fãs de Star Trek, por exemplo, klingon seria uma segunda opção.
As comunidades
Os brasileiros também parecem adorar criar comunidades. Isso é um porre. O cara é convidado pro Orkut (devia dar para ver quem chamou esses malas), se cadastra na comunidade "Brasil" (ou fica amigo de um daqueles carentes "eu quero ter um milhão de amigos") e manda uma mensagem para todos na comunidade (ou pior, para os amigos dos amigos, todos os 100 mil) dando conta da importantíssima e absolutamente única comunidade dedicada a falar daquele assunto que o fascina profundamente (e que não interessa a mais ninguém).
E depois o cara ainda me chama de mal-educado (ou nazista) quando eu conto para ele o que a essa altura não deveria ser novidade – que ninguém mais no mundo se interessa por aquilo e que ele, felizmente, é o único ser humano desperdiçando tempo com aquilo.
Xenofobia e ressentimentos
Eu não entendo o que Bush tem com tudo isso.
É esquisito, mas ele (e os militares mal-comportados) sempre acaba no meio dessa discussão. O homem é um imbecil. Isso não quer dizer que o povo todo do país dele seja – embora terem permitido que ele fosse eleito não fala muito a favor deles. O fato é que não se pode colocar todo um povo no mesmo saco que seu líder. Acidentes acontecem e ele é um. Eu ainda não decidi se ele é um imbecil bem-intencionado, um imbecil mal-intencionado ou um imbecil sendo manipulado por alguém muito mal-intencionado. Tomei a liberdade de descartar de antemão a possibilidade dele não ser um imbecil: eu não consegui me fazer acreditar nela.
Muitos americanos parecem ter medo do resto do mundo. Pudera – não conhecem. Para eles nós somos os atrasados, os esquisitos, os populistas, os socialistas, as republiquetas encravadas na selva.
A melhor forma de se combater o medo é com a informação. E nós não estamos ajudando em nada.
Eu odeio os brasileiros malas do Orkut. É. Eu odeio.
Mania de brasileiro achar que americano não liga para nós e que isso está errado. Você sabe qual a capital da Albânia? Não? Pois é. Nós brasileiros não damos a mínima para os albaneses. Se um dia tiver amigos lá, vou tratar de me informar um pouco mais (provavelmente, até terminar de escrever isto eu já terei dado uma espiada em alguma enciclopédia para ver qual é a capital da Albânia).
Nos últimos dias eu tenho visto um aumento pronunciado no nível médio de estupidez na net. As pessoas são, no geral, estúpidas - eu não tenho ilusões a esse respeito desde minha adolescência. Meu maior problema é que, quanto mais estúpida a pessoa, mais barulhenta ela é - mais comunidades cria, mais mensagens posta, mais barulho faz. A cada estúpido barulhento que eu vejo, minha fé na humanidade morre um pouco. Isso eu não perdôo.
E quanto mais barulho os brasileiros estúpidos fazem, menos as pessoas (eu inclusive) gostam dos brasileiros em geral.
Isso vale para todos os povos, a propósito. Outra hora eu traduzo o texto pro inglês para que estúpidos barulhentos de todo o mundo possam lê-lo.
O Orkut é ruimOutro dia vi um imbecil (não posso dar outro adjetivo sem mentir) reclamar que as estatísticas do Orkut não são divididas por estado no caso do Brasil.
Poupem-me, por favor.
Eu não sei de cor os nomes dos departamentos da Argentina (já acho que sei muito por saber que é assim que eles chamam os "estados" deles) e metade do meu carro foi feito lá. Do Japão, eu só lembro das ilhas de Hondo e Hokaido. Meu telefone foi feito na França e eu nem sabia que valia a pena economicamente fazer celulares lá. Eu não saberia dizer os nomes de 20% dos estados dos EUA (e eu converso com um monte de gente que mora lá). Porque diabos eles têm que saber os nomes dos estados brasileiros? Quem, além de brasileiros, se interessa por isso?
Ah... Mas somos a segunda maior comunidade do Orkut.
E daí? O que é que eles têm com isso? Que bom que somos – sinal de que temos muitos amigos (ou que somos menos seletivos), de que somos um povo saudável, de que cultivamos as virtudes da amizade e da cortesia e que gostamos, de verdade, do nosso próximo. Bom para nós.
O que não dá é ficar cobrando que um serviço gratuito (alimentado pelos seus dados) se desdobre para acomodar as necessidades de uma população específica. O Orkut (site) é do Orkut (pessoa) e ele faz com ele o que bem entender. Ele e seus padrinhos corporativos (o povo do Google) já fazem bastante mantendo a coisa de pé. O Orkutês
Qual a língua do Orkut? Assim, a primeira vista, eu diria que é inglês. As interfaces estão em inglês, os botões estão em inglês – tudo, exceto as mensagens, está em inglês.
Alguns americanos gostam de reclamar do número de comunidades com mensagens e títulos em português. Quando eu procuro alguma informação, eu procuro algo em alguma língua que eu entenda. Quase todos nós (os que me lêem ao menos), entendemos um pouco, pelo menos, de inglês. É a segunda língua de quase todos os povos. Justo ou injusto, bonito ou feio, é um fato da vida. Coitadinhos dos americanos (e de mais meia dúzia de países) que só falam uma língua. O fato de existirem comunidades em alemão não me incomoda, embora eu seja tão fluente em alemão quanto um orangotango. Eu respeito e acho absolutamente normal que os alemães prefiram escrever em sua própria língua. Eu, por exemplo, escrevi esse texto em português, que, embora não seja a primeira língua que eu aprendi, é aquela em que eu me expresso melhor.
De qualquer modo, o fato de existir uma língua na qual podemos todos nos comunicar, é extremamente significativo e é um passo na direção certa. Não me importa se é inglês, esperanto ou klingon. A língua é uma ferramenta. Se eu quero falar com pessoas de vários países ao mesmo tempo, eu uso o inglês – as chances de ser entendido serão maiores e ser entendido é o que eu quero. Se eu precisar falar com um bando de fãs de Star Trek, por exemplo, klingon seria uma segunda opção.
As comunidades
Os brasileiros também parecem adorar criar comunidades. Isso é um porre. O cara é convidado pro Orkut (devia dar para ver quem chamou esses malas), se cadastra na comunidade "Brasil" (ou fica amigo de um daqueles carentes "eu quero ter um milhão de amigos") e manda uma mensagem para todos na comunidade (ou pior, para os amigos dos amigos, todos os 100 mil) dando conta da importantíssima e absolutamente única comunidade dedicada a falar daquele assunto que o fascina profundamente (e que não interessa a mais ninguém).
E depois o cara ainda me chama de mal-educado (ou nazista) quando eu conto para ele o que a essa altura não deveria ser novidade – que ninguém mais no mundo se interessa por aquilo e que ele, felizmente, é o único ser humano desperdiçando tempo com aquilo.
Xenofobia e ressentimentos
Eu não entendo o que Bush tem com tudo isso.
É esquisito, mas ele (e os militares mal-comportados) sempre acaba no meio dessa discussão. O homem é um imbecil. Isso não quer dizer que o povo todo do país dele seja – embora terem permitido que ele fosse eleito não fala muito a favor deles. O fato é que não se pode colocar todo um povo no mesmo saco que seu líder. Acidentes acontecem e ele é um. Eu ainda não decidi se ele é um imbecil bem-intencionado, um imbecil mal-intencionado ou um imbecil sendo manipulado por alguém muito mal-intencionado. Tomei a liberdade de descartar de antemão a possibilidade dele não ser um imbecil: eu não consegui me fazer acreditar nela.
Muitos americanos parecem ter medo do resto do mundo. Pudera – não conhecem. Para eles nós somos os atrasados, os esquisitos, os populistas, os socialistas, as republiquetas encravadas na selva.
A melhor forma de se combater o medo é com a informação. E nós não estamos ajudando em nada.
terça-feira, junho 08, 2004
Estado de emergência em prisões do Rio ajuda a "passar por cima da burocracia"
A decretação de estado de emergência nos presídios do Estado do Rio de Janeiro, feita nesta segunda-feira pela governadora Rosinha Matheus (PMDB), deve possibilitar ações do Estado que normalmente ficam emperradas pela burocracia, como a remoção de presos. Quem afirma é o coronel José Vicente da Silva Filho, pesquisador do Instituto Fernand Braudel, especialista em questões de segurança pública.
Em entrevista a Paulo Henrique Amorim, no UOL News, analisou a medida e a onda de rebeliões e mortes que tomou conta dos presídios e cadeias do RJ nas últimas semanas. Na mais grave delas, na Casa de Custódia de Benfica, foram divulgadas oficialmente 30 mortes de presos na semana passada.
Nesta segunda-feira, o Instituto Médico-Legal (IML) informou que a detenta Aline Maria Cesário, 30, morreu com um tiro de pistola no peito durante a rebelião na Casa de Custódia de Magé, na Baixada Fluminense. A rebelião na Casa de Custódia de Magé, na noite de sábado, foi a mais violenta das três que ocorreram no Rio de Janeiro neste fim de semana. Dez pessoas ficaram feridas: uma agente penitenciária e mais nove detentas, uma delas internada em estado grave, com um tiro na cabeça.
Na manhã de sábado, nove presos e um soldado do Batalhão de Operações Especiais ficaram feridos numa rebelião na Penitenciária Milton Dias Moreira, no complexo da Frei Caneca, no Estácio. Por volta das 20h30 de domingo, mais uma rebelião teve início, na cadeia da 105ª DP (Petrópolis). A cadeia estava superlotada e vinte presos fugiram. Sete foram capturados, dois ficaram feridos na fuga e um se apresentou espontaneamente. Dez ainda estão foragidos.
"Reconhecimento"
O coronel José Vicente da Silva Filho disse que a decretação de estado de emergência é "inusitada", mas é "um reconhecimento de que essa sucessão de problemas no sistema prisional e nas cadeias do RJ precisa de algumas medidas que estavam sendo postergadas". "A idéia é que isso possibilite que ações que ficam muito complicadas de se tomar na burocracia cotidiana, como substituir pessoal, fazer gastos sem licitação. Com o decreto de emergência, torna-se possível a aprovação pelo Tribunal de Justiça do Estado de ações emergenciais, como a remoção de presos. Isso pode ajudar inclusive a pressionar os juízes que ainda controlam a remoção de presos, para que façam os ajustes necessários."
"Tivemos uma eclosão que mostrou claramente combinação de erros e omissões no sistema, tanto dos presídios como dos cadeiões, como é caso da Casa de Custódia de Benfica. Fuga já é caso de crise grave. Quando há uma quantidade tão grande de mortes, não foi um acaso, essa é uma situação de crise gravíssima."
"Não é só o problema de acúmulo de presos, instalações inadequadas, proximidade do estabelecimento de moradias, escolas etc. No Rio de Janeiro, há um estado de guerra permanente entre as principais facções criminosas. Quando você coloca esse pessoal em posições contrárias pelos corredores da cadeia, é um estado de guerra explícita mesmo."
Para Silva Filho, o setor público tem de admitir que existem grupos rivais na marginalidade. "Há seis, sete anos, o Rio de Janeiro passava por uma situação relativamente tranqüila, enquanto havia rebeliões e fugas constantes no Estados de São Paulo. Esse esquema de reconhecer líderes de facções, as pessoas ligadas a elas, e a separação dessas facções, ajudou a pelo menos manter um grau de tranqüilidade por alguns anos nos estabelecimentos prisionais. É lamentável reconhecer as lideranças dessas facções, mas é prático do ponto de vista da admnistração penitenciária", declarou.
"É o que se chama hoje de inteligência prisional. É importante que cada pessoa, principalmente os presos mais articulados com essas facções, tenham toda sua vida acompanhada por um sistema informatizado, até por um sistema de inteligência própria, que acompanhe desde os companheiros de cela, as ligações que eles têm internamente, as visitas que recebem... Tudo isso ajuda muito a fazer um acompanhamento não só dessas pessoas como das lideranças e movimentos que elas fazem. Se esse tipo de acompanhamento já existisse, nesse episódio de Benfica é provável que se pudesse detectar o andamento de uma crise em evolução."
original:
http://noticias.uol.com.br/uolnews/entrevista/ult269u2063.jhtm
Em entrevista a Paulo Henrique Amorim, no UOL News, analisou a medida e a onda de rebeliões e mortes que tomou conta dos presídios e cadeias do RJ nas últimas semanas. Na mais grave delas, na Casa de Custódia de Benfica, foram divulgadas oficialmente 30 mortes de presos na semana passada.
Nesta segunda-feira, o Instituto Médico-Legal (IML) informou que a detenta Aline Maria Cesário, 30, morreu com um tiro de pistola no peito durante a rebelião na Casa de Custódia de Magé, na Baixada Fluminense. A rebelião na Casa de Custódia de Magé, na noite de sábado, foi a mais violenta das três que ocorreram no Rio de Janeiro neste fim de semana. Dez pessoas ficaram feridas: uma agente penitenciária e mais nove detentas, uma delas internada em estado grave, com um tiro na cabeça.
Na manhã de sábado, nove presos e um soldado do Batalhão de Operações Especiais ficaram feridos numa rebelião na Penitenciária Milton Dias Moreira, no complexo da Frei Caneca, no Estácio. Por volta das 20h30 de domingo, mais uma rebelião teve início, na cadeia da 105ª DP (Petrópolis). A cadeia estava superlotada e vinte presos fugiram. Sete foram capturados, dois ficaram feridos na fuga e um se apresentou espontaneamente. Dez ainda estão foragidos.
"Reconhecimento"
O coronel José Vicente da Silva Filho disse que a decretação de estado de emergência é "inusitada", mas é "um reconhecimento de que essa sucessão de problemas no sistema prisional e nas cadeias do RJ precisa de algumas medidas que estavam sendo postergadas". "A idéia é que isso possibilite que ações que ficam muito complicadas de se tomar na burocracia cotidiana, como substituir pessoal, fazer gastos sem licitação. Com o decreto de emergência, torna-se possível a aprovação pelo Tribunal de Justiça do Estado de ações emergenciais, como a remoção de presos. Isso pode ajudar inclusive a pressionar os juízes que ainda controlam a remoção de presos, para que façam os ajustes necessários."
"Tivemos uma eclosão que mostrou claramente combinação de erros e omissões no sistema, tanto dos presídios como dos cadeiões, como é caso da Casa de Custódia de Benfica. Fuga já é caso de crise grave. Quando há uma quantidade tão grande de mortes, não foi um acaso, essa é uma situação de crise gravíssima."
"Não é só o problema de acúmulo de presos, instalações inadequadas, proximidade do estabelecimento de moradias, escolas etc. No Rio de Janeiro, há um estado de guerra permanente entre as principais facções criminosas. Quando você coloca esse pessoal em posições contrárias pelos corredores da cadeia, é um estado de guerra explícita mesmo."
Para Silva Filho, o setor público tem de admitir que existem grupos rivais na marginalidade. "Há seis, sete anos, o Rio de Janeiro passava por uma situação relativamente tranqüila, enquanto havia rebeliões e fugas constantes no Estados de São Paulo. Esse esquema de reconhecer líderes de facções, as pessoas ligadas a elas, e a separação dessas facções, ajudou a pelo menos manter um grau de tranqüilidade por alguns anos nos estabelecimentos prisionais. É lamentável reconhecer as lideranças dessas facções, mas é prático do ponto de vista da admnistração penitenciária", declarou.
"É o que se chama hoje de inteligência prisional. É importante que cada pessoa, principalmente os presos mais articulados com essas facções, tenham toda sua vida acompanhada por um sistema informatizado, até por um sistema de inteligência própria, que acompanhe desde os companheiros de cela, as ligações que eles têm internamente, as visitas que recebem... Tudo isso ajuda muito a fazer um acompanhamento não só dessas pessoas como das lideranças e movimentos que elas fazem. Se esse tipo de acompanhamento já existisse, nesse episódio de Benfica é provável que se pudesse detectar o andamento de uma crise em evolução."
original:
http://noticias.uol.com.br/uolnews/entrevista/ult269u2063.jhtm
A arma secreta da Google? Um exército de Ph.Ds
Ei, não é ciência de foguetes. E não é cirurgia de cérebro. Mas se sua formação envolve qualquer uma delas, você é bem-vindo a tentar entrar para a Google. Entre os funcionários da empresa estão um ex-cientista de foguetes e um ex-neurocirurgião.
O Google tem se concentrado principalmente em recrutar aqueles com experiência no que você poderia esperar: ciência da computação. Fundada por dois quase Ph.Ds. que propositalmente espalharam Ph.Ds. por toda a empresa, a Google encoraja todos os funcionários a atuarem como pesquisadores, gastando 20% de seu tempo em novos projetos de sua própria escolha.
Enquanto nos sentamos em nossos lugares no Coliseu para assistir ao combate entre o mais recente desafiante e a poderosa Microsoft, os previsores verão que a Google tem duas vantagens, uma das quais revelada para a Comissão de Valores Mobiliários: máquinas de lavar roupa são fornecidas pela empresa para uso dos funcionários. A outra, ela não revelou: com uma cultura centrada em Ph.Ds., os co-fundadores da Google, Sergey Brin e Larry Page, reuniram o portfólio mais heterodoxo de capital humano desde que a Microsoft começou a recrutar intensamente os estudantes de mestrado em ciência da computação nas principais escolas, nos anos 80.
A Microsoft conta com 56 mil funcionários, mas seu grupo de pesquisa, composto de 700, é separado. O Google conta com 1.900 funcionários, e nenhum grupo de pesquisa separado, de forma que todos os 1.900, na prática, estão encarregados de "audaciosamente ir onde nenhum homem jamais esteve" (palavras da Google). É difícil não apreciar os riscos da Google.
A motivação dos funcionários está ligada a diversas conveniências e estômagos felizes, ou ao menos é o que parece. Quando o Google deu entrada em seus planos iniciais de lançamento de ações no mercado, em abril, enumerou os benefícios aos funcionários como as máquinas de lavar roupa, refeições gratuitas e consultas médicas nos escritórios da empresa. A empresa alertou os investidores potenciais a "esperar que aumentemos os benefícios em vez de reduzi-los com o passar do tempo".
Andando na direção oposta, a Microsoft disse no mês passado que estava realizando alguns pequenos cortes nos benefícios, amargurando os funcionários, que estão tão cientes quanto qualquer um dos US$ 50 bilhões disponíveis no tesouro da corporação.
Não há disputa: o Google vai ganhar a batalha dos benefícios, com sua academia de ginástica interna, com seu dentista próprio e chef famoso local que já serviu ao Grateful Dead.
Mas nada disto importa. O que supera tudo é a disposição do Google em organizar toda a empresa em torno da idéia de que grandes talentos gostam de trabalhar com outros grandes talentos, investindo em problemas interessantes de sua própria escolha. É o mesmo motivo que leva alguns estudantes de ciência da computação a concluírem o mestrado e então perseverarem por três a cinco anos adicionais pelo doutorado. Ele acarreta em profunda pesquisa original para dissertação, enquanto subsistem com uma bolsa de estudos magra que permite como chef famoso apenas o Coronel Sanders (KFC).
Rajeev Motwani, um professor de ciência da computação de Stanford, disse: "Bons alunos de Ph.D. são extremos em sua criatividade e motivação. Os estudantes de mestrado são igualmente inteligentes, mas não têm o mesmo impulso para criar algo novo". O mestrado leva você onde outros estiveram; o doutorado, onde ninguém esteve antes.
Até recentemente, quando os estudantes de ciência da computação concluíam seu longo treinamento de Ph.D. e saíam para o mundo, eles eram tratados com cautela pelos empregadores da indústria. As empresas americanas tiveram que superar sua antiga desconfiança do intelecto. "Por Que Nunca Contrato Homens Brilhantes", um artigo publicado nos anos 20 em uma revista americana, é uma amostra típica de uma era anterior. Nos tempos modernos, os cientistas da computação são contratados, mas um doutorado ainda pode ser visto como um sinal de falha de caráter, sendo melhor isolar seu detentor em um ninho-de-águia.
A Xerox famosamente reuniu um "dream team" de cientistas da computação nos anos 70, os colocou em uma colina em Palo Alto, Califórnia, e recebeu, em curto prazo, o moderno computador pessoal fácil de usar e a impressora laser. Infelizmente, nem os pesquisadores nem a corporação Xerox tinha idéia de como levar estas criações ao mercado, e a experiência foi um fracasso comercial.
Steve Jobs caçou e contratou avidamente Ph.Ds. durante sua fracassada experiência empresarial na NeXT Computer no final dos anos 80, enquanto esteve fora da Apple. Seu computador NeXT, que ele chamou de "workstation do estudante", foi comercializado exclusivamente para estudantes por preços iniciais baixos de US$ 6.500. Mas de forma inexplicável, ele fracassou em tomar conta dos campi. Desde então, não se ouviu mais ele se gabar, como fez na época, de que 70% de seus funcionários da manufatura tinham doutorado. (Reconhecidamente, eles eram poucos, já que a fábrica era altamente automatizada.)
Em 1991, a Microsoft estabeleceu uma organização separada de pesquisa, seguindo a ortodoxia contemporânea, e buscou Ph.Ds. para realizar pesquisa em tempo integral. Mas seu recrutamento em geral continuou voltado para alunos ainda não formados e estudantes de mestrado.
"Nós não somos muito voltados para Ph.Ds.", disse Kristen Roby, diretora de recrutamento da Microsoft em universidades dos Estados Unidos. "Nós acreditamos bastante em contratar potencial."
Mas o Google prefere aqueles que foram treinados para a capacidade máxima no indicador da universidade e que têm experiência em organizar sua própria agenda de pesquisa. A empresa não divulgou dados sobre seus Ph.Ds. por dois anos, mas com base em sua história, o número provavelmente passa de 100.
Em vez de enviá-los para uma instalação separada, de muros altos, a empresa os coloca entre os funcionários normais. Em um típico anúncio de emprego do Google, que pede por grau de bacharel ou mestrado em ciência da computação, se encontra uma frase raramente vista em outros lugares: "Ph.D. apreciado".
Como o Google está em um "período quieto" exigido após a entrega de seus planos de oferta pública de ações, a empresa não dirá uma palavra sobre seus Ph.Ds. ou qualquer outra coisa. Mas basta ir até os principais departamentos de ciência da computação e você sentirá a atração gravitacional irresistível do Googleplex. Em Stanford, por exemplo, o recrutamento pela Google de Ph.Ds. em ciência da computação tem sido, no fraseado diplomático de Motwani, "mais bem-sucedido do que outros", o que ele atribui à massa crítica de talento reunida pela empresa.
Ed Lazowska, professor e ex-diretor de ciência da computação da Universidade de Washington, disse que a política do Google de reservar um dia por semana para que você faça suas próprias coisas é "altamente atraente para funcionários potenciais". O Google conta com tantos Ph.Ds. de sua universidade quanto a Microsoft, mas a Microsoft é quase 30 vezes maior.
Mas como mostrou o fracasso anterior da NeXT de Jobs, o prêmio não necessariamente vai para aqueles com a maior densidade de Ph.Ds. no mapa. O Google está vulnerável ao ataque de qualquer um que conceber uma ferramenta de busca melhor. E a Microsoft pode acrescentar capacidade de busca ao Windows mais rapidamente do que o Google poderá partir para a contra-ofensiva e instalar seu próprio sistema no PC.
A favor do Google está sua prática em colocar imediatamente os novos Ph.Ds. para trabalhar nas áreas exatas nas quais foram treinados -em sistemas, arquitetura e inteligência artificial. Google, a empresa, poderá fracassar, mas o Google, a experiência em recursos humanos, dificilmente será a causa.
A Microsoft ainda precisa abandonar antigos modelos para contratação. Sua principal recrutadora em universidades, Roby, disse que entre os Ph.Ds. em ciência da computação "é difícil encontrar alguém com o desejo de trabalhar em projetos que serão colocados no mercado a cada 24 ou 36 meses".
A intenção dela é distribuir o ritmo acelerado de ciclos de desenvolvimento de produto na Microsoft. Mas a idéia do lançamento de software em intervalos medidos em anos, queimado em um CD-ROM, estampado com um novo número de versão e enfiado em uma caixa, é tão relevante para as melhorias contínuas do site da Google quanto um cartão perfurado. Nem é justificada empiricamente a noção de que os Ph.Ds. são inadequados para o ritmo punitivo do dia de trabalho corporativo.
Quando o cone de silêncio for retirado, pergunte a qualquer um na Google, começando pelo executivo-chefe: Eric Schmidt, Ph.D., ciência da computação.
O Google tem se concentrado principalmente em recrutar aqueles com experiência no que você poderia esperar: ciência da computação. Fundada por dois quase Ph.Ds. que propositalmente espalharam Ph.Ds. por toda a empresa, a Google encoraja todos os funcionários a atuarem como pesquisadores, gastando 20% de seu tempo em novos projetos de sua própria escolha.
Enquanto nos sentamos em nossos lugares no Coliseu para assistir ao combate entre o mais recente desafiante e a poderosa Microsoft, os previsores verão que a Google tem duas vantagens, uma das quais revelada para a Comissão de Valores Mobiliários: máquinas de lavar roupa são fornecidas pela empresa para uso dos funcionários. A outra, ela não revelou: com uma cultura centrada em Ph.Ds., os co-fundadores da Google, Sergey Brin e Larry Page, reuniram o portfólio mais heterodoxo de capital humano desde que a Microsoft começou a recrutar intensamente os estudantes de mestrado em ciência da computação nas principais escolas, nos anos 80.
A Microsoft conta com 56 mil funcionários, mas seu grupo de pesquisa, composto de 700, é separado. O Google conta com 1.900 funcionários, e nenhum grupo de pesquisa separado, de forma que todos os 1.900, na prática, estão encarregados de "audaciosamente ir onde nenhum homem jamais esteve" (palavras da Google). É difícil não apreciar os riscos da Google.
A motivação dos funcionários está ligada a diversas conveniências e estômagos felizes, ou ao menos é o que parece. Quando o Google deu entrada em seus planos iniciais de lançamento de ações no mercado, em abril, enumerou os benefícios aos funcionários como as máquinas de lavar roupa, refeições gratuitas e consultas médicas nos escritórios da empresa. A empresa alertou os investidores potenciais a "esperar que aumentemos os benefícios em vez de reduzi-los com o passar do tempo".
Andando na direção oposta, a Microsoft disse no mês passado que estava realizando alguns pequenos cortes nos benefícios, amargurando os funcionários, que estão tão cientes quanto qualquer um dos US$ 50 bilhões disponíveis no tesouro da corporação.
Não há disputa: o Google vai ganhar a batalha dos benefícios, com sua academia de ginástica interna, com seu dentista próprio e chef famoso local que já serviu ao Grateful Dead.
Mas nada disto importa. O que supera tudo é a disposição do Google em organizar toda a empresa em torno da idéia de que grandes talentos gostam de trabalhar com outros grandes talentos, investindo em problemas interessantes de sua própria escolha. É o mesmo motivo que leva alguns estudantes de ciência da computação a concluírem o mestrado e então perseverarem por três a cinco anos adicionais pelo doutorado. Ele acarreta em profunda pesquisa original para dissertação, enquanto subsistem com uma bolsa de estudos magra que permite como chef famoso apenas o Coronel Sanders (KFC).
Rajeev Motwani, um professor de ciência da computação de Stanford, disse: "Bons alunos de Ph.D. são extremos em sua criatividade e motivação. Os estudantes de mestrado são igualmente inteligentes, mas não têm o mesmo impulso para criar algo novo". O mestrado leva você onde outros estiveram; o doutorado, onde ninguém esteve antes.
Até recentemente, quando os estudantes de ciência da computação concluíam seu longo treinamento de Ph.D. e saíam para o mundo, eles eram tratados com cautela pelos empregadores da indústria. As empresas americanas tiveram que superar sua antiga desconfiança do intelecto. "Por Que Nunca Contrato Homens Brilhantes", um artigo publicado nos anos 20 em uma revista americana, é uma amostra típica de uma era anterior. Nos tempos modernos, os cientistas da computação são contratados, mas um doutorado ainda pode ser visto como um sinal de falha de caráter, sendo melhor isolar seu detentor em um ninho-de-águia.
A Xerox famosamente reuniu um "dream team" de cientistas da computação nos anos 70, os colocou em uma colina em Palo Alto, Califórnia, e recebeu, em curto prazo, o moderno computador pessoal fácil de usar e a impressora laser. Infelizmente, nem os pesquisadores nem a corporação Xerox tinha idéia de como levar estas criações ao mercado, e a experiência foi um fracasso comercial.
Steve Jobs caçou e contratou avidamente Ph.Ds. durante sua fracassada experiência empresarial na NeXT Computer no final dos anos 80, enquanto esteve fora da Apple. Seu computador NeXT, que ele chamou de "workstation do estudante", foi comercializado exclusivamente para estudantes por preços iniciais baixos de US$ 6.500. Mas de forma inexplicável, ele fracassou em tomar conta dos campi. Desde então, não se ouviu mais ele se gabar, como fez na época, de que 70% de seus funcionários da manufatura tinham doutorado. (Reconhecidamente, eles eram poucos, já que a fábrica era altamente automatizada.)
Em 1991, a Microsoft estabeleceu uma organização separada de pesquisa, seguindo a ortodoxia contemporânea, e buscou Ph.Ds. para realizar pesquisa em tempo integral. Mas seu recrutamento em geral continuou voltado para alunos ainda não formados e estudantes de mestrado.
"Nós não somos muito voltados para Ph.Ds.", disse Kristen Roby, diretora de recrutamento da Microsoft em universidades dos Estados Unidos. "Nós acreditamos bastante em contratar potencial."
Mas o Google prefere aqueles que foram treinados para a capacidade máxima no indicador da universidade e que têm experiência em organizar sua própria agenda de pesquisa. A empresa não divulgou dados sobre seus Ph.Ds. por dois anos, mas com base em sua história, o número provavelmente passa de 100.
Em vez de enviá-los para uma instalação separada, de muros altos, a empresa os coloca entre os funcionários normais. Em um típico anúncio de emprego do Google, que pede por grau de bacharel ou mestrado em ciência da computação, se encontra uma frase raramente vista em outros lugares: "Ph.D. apreciado".
Como o Google está em um "período quieto" exigido após a entrega de seus planos de oferta pública de ações, a empresa não dirá uma palavra sobre seus Ph.Ds. ou qualquer outra coisa. Mas basta ir até os principais departamentos de ciência da computação e você sentirá a atração gravitacional irresistível do Googleplex. Em Stanford, por exemplo, o recrutamento pela Google de Ph.Ds. em ciência da computação tem sido, no fraseado diplomático de Motwani, "mais bem-sucedido do que outros", o que ele atribui à massa crítica de talento reunida pela empresa.
Ed Lazowska, professor e ex-diretor de ciência da computação da Universidade de Washington, disse que a política do Google de reservar um dia por semana para que você faça suas próprias coisas é "altamente atraente para funcionários potenciais". O Google conta com tantos Ph.Ds. de sua universidade quanto a Microsoft, mas a Microsoft é quase 30 vezes maior.
Mas como mostrou o fracasso anterior da NeXT de Jobs, o prêmio não necessariamente vai para aqueles com a maior densidade de Ph.Ds. no mapa. O Google está vulnerável ao ataque de qualquer um que conceber uma ferramenta de busca melhor. E a Microsoft pode acrescentar capacidade de busca ao Windows mais rapidamente do que o Google poderá partir para a contra-ofensiva e instalar seu próprio sistema no PC.
A favor do Google está sua prática em colocar imediatamente os novos Ph.Ds. para trabalhar nas áreas exatas nas quais foram treinados -em sistemas, arquitetura e inteligência artificial. Google, a empresa, poderá fracassar, mas o Google, a experiência em recursos humanos, dificilmente será a causa.
A Microsoft ainda precisa abandonar antigos modelos para contratação. Sua principal recrutadora em universidades, Roby, disse que entre os Ph.Ds. em ciência da computação "é difícil encontrar alguém com o desejo de trabalhar em projetos que serão colocados no mercado a cada 24 ou 36 meses".
A intenção dela é distribuir o ritmo acelerado de ciclos de desenvolvimento de produto na Microsoft. Mas a idéia do lançamento de software em intervalos medidos em anos, queimado em um CD-ROM, estampado com um novo número de versão e enfiado em uma caixa, é tão relevante para as melhorias contínuas do site da Google quanto um cartão perfurado. Nem é justificada empiricamente a noção de que os Ph.Ds. são inadequados para o ritmo punitivo do dia de trabalho corporativo.
Quando o cone de silêncio for retirado, pergunte a qualquer um na Google, começando pelo executivo-chefe: Eric Schmidt, Ph.D., ciência da computação.
Ritmo de Crescimento
Para definir a taxa de fecundidade "ideal", que aponta para a estabilização do crescimento populacional de um país, demógrafos partiram de um pressuposto simples: o de que crianças são geradas por duas pessoas que, um dia, irão morrer e deverão, portanto, ser substituídas por outras duas. A chamada "taxa de reposição" é, por esse motivo, de 2,1 filhos por mulher. O Brasil já teve uma média quase três vezes superior a essa. Hoje, as famílias têm, em média, 2,3 crianças – índice bem próximo do necessário para o equilíbrio populacional. Estaria tudo muito bem não fosse o fato de que essa aparente normalidade escamoteia uma realidade preocupante: a de que persistem no mapa brasileiro regiões onde as mulheres têm um bebê por ano e chegam ao fim de sua vida fértil com mais de vinte filhos, reproduzindo um quadro semelhante ao exibido por países tão miseráveis quanto Somália e Uganda, na África. Mais grave que isso: diferentemente do que ocorria até pouco tempo atrás, esses bolsões de descontrole populacional não se situam apenas em rincões, mas nos grandes centros urbanos também – as favelas se tornaram ilhas de explosão demográfica dentro das metrópoles.
Um dado extraído do Censo do IBGE indica que, na última década, a população de favelas aumentou num ritmo quase três vezes superior à média brasileira. As maiores expansões ocorreram nas cidades de São Paulo, Belém e Rio de Janeiro. Nesta última, enquanto a população cresceu a uma taxa de 0,74% ao ano na década passada, o número de habitantes de favelas aumentou a um ritmo de 2,4%, segundo pesquisa feita pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, em conjunto com o Instituto Pereira Passos. Ao decomporem os fatores responsáveis pelo crescimento populacional nesses bolsões, os pesquisadores concluíram que a razão principal (com peso de 35%) foi o aumento da fecundidade, seguido pela imigração (com peso de 17%). Há outros elementos que, isoladamente, tiveram influência menor, como o aumento da expectativa de vida e a chegada de pessoas empobrecidas da própria cidade. Uma projeção feita pela Fundação Getúlio Vargas indica que a população favelada brasileira irá mais do que dobrar nos próximos dez anos: poderá chegar a 13,5 milhões de pessoas caso o ritmo de crescimento populacional nessas áreas permaneça estável.
As favelas encravadas em centros urbanos não compartilham o isolamento dos minúsculos municípios rurais, mas se assemelham a eles em outro aspecto: os baixos índices de educação formal. Segundo pesquisa do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, os habitantes das favelas do Rio de Janeiro, as mais populosas do Brasil, estudam, em média, 4,5 anos – pouco mais da metade do tempo que permanece na escola a média dos moradores da cidade. Além da pouca escolaridade, há outras razões que explicam as altas taxas de fecundidade nesses locais. Em meados da década de 80, técnicos do Banco Mundial desembarcaram na favela da Rocinha, a maior do Rio, com o objetivo de desenvolver um programa de planejamento familiar. Os resultados foram insatisfatórios. Ao retornarem ao local para entender os motivos do fracasso da iniciativa, concluíram que ele se deveu, em grande parte, ao peso que certos aspectos culturais tinham sobre a gravidez. As mulheres declaravam que tinham filhos porque com isso ganhavam "status e respeito" na vizinhança, além de conquistar "independência dos pais". Já os homens diziam que se sentiam "mais viris" com a paternidade.
Há muito se sabe que é um equívoco creditar ao simples aumento da fecundidade o crescimento da pobreza e da desigualdade. Fosse assim, o contrário também deveria ser verdadeiro: o fato de o Brasil ter atingido uma média geral de nascimentos quase idêntica à dos Estados Unidos (2,0 filhos por mulher) levaria por si só a que, num futuro próximo, sua economia se tornasse tão reluzente quanto a de um país desenvolvido. Os números comprovam, porém, que existe um vínculo estreito entre o crescimento populacional e o desenvolvimento de uma economia. As mais pobres regiões brasileiras são as que têm as mais altas taxas de fecundidade. Nas mais ricas, é o oposto. A cidade com o menor índice de fecundidade do Brasil, São Caetano do Sul (SP), é a que apresenta a segunda maior renda per capita do país. O mesmo ocorre no âmbito das famílias: em lares onde a renda per capita não supera um quarto de salário mínimo, há em média cinco filhos, segundo o IBGE. Quando essa renda ultrapassa cinco salários mínimos, predomina o filho único. O alto número de filhos seria a razão da pobreza ou sua conseqüência? As duas coisas, respondem especialistas. Com muitos filhos, uma família com renda já escassa fica com o orçamento ainda mais espremido. As crianças são forçadas a largar os estudos para trabalhar e, assim, diminuem suas chances de superar a condição de pobreza. Sabe-se também que mulheres que não tiveram acesso ao estudo têm até três vezes mais filhos do que as que cursaram a universidade. "As altas taxas de fecundidade funcionam como uma espécie de combustível que faz girar um ciclo perverso de miséria", observa o economista Marcelo Neri, da FGV.
O processo de urbanização foi um dos fatores que contribuíram para refrear o aumento populacional no Brasil. Ao trocarem o campo pela cidade, as pessoas passaram a ter acesso a serviços públicos como saúde e educação. A universalização da previdência também influenciou na redução dos nascimentos, sobretudo porque fez arrefecer a crença, até hoje persistente em áreas rurais, de que a única fonte de renda na velhice viria do trabalho dos filhos – o benefício fez diminuir o temor dos brasileiros de chegar à velhice sem nenhum tostão. Um estudo feito na década de 70 chegou à curiosa conclusão de que as telenovelas foram outro fator a ajudar no encolhimento dos lares. "Como a maioria delas exibia famílias de dois filhos, o padrão acabou influenciando os casais", diz a demógrafa Elza Berquó, do Núcleo de Estudos da População da Unicamp, que participou da pesquisa na época.
A história das políticas de planejamento familiar é cheia de idas e vindas. Embora a distribuição de preservativos pelos hospitais públicos tenha começado nos anos 70, foi só a partir de 1996, por força de lei, que camisinhas e anticoncepcionais começaram a chegar sistematicamente às regiões mais pobres e distantes das grandes cidades. Agora, o governo federal está preparando um pacote de medidas, a ser anunciado ainda neste mês, que promete aumentar a opção de anticoncepcionais ofertados pelo Estado e dobrar o número de hospitais públicos que fazem esterilizações, hoje disponíveis em menos de 10% dos municípios brasileiros. A interferência governamental exige precisão cirúrgica para que não cause danos difíceis de reverter. O Brasil já exibe uma queda consistente nas taxas de crescimento populacional. Uma ação generalizada poderia acelerar perigosamente essa tendência. Demógrafos afirmam que é muito mais fácil diminuir a taxa de fecundidade do que aumentá-la.
Há anos a Europa assiste à diminuição de sua população. A situação é particularmente grave em países como Itália, Espanha, Alemanha e Suíça, todos com crescimento populacional próximo de zero. Diante da perspectiva de diminuir, esses países passaram a implantar programas de estímulo à natalidade, que incluem de abatimento no imposto de renda a licença remunerada de até um ano para os candidatos a pais. Na Itália, que junto com a Espanha tem a menor taxa de natalidade da Europa (1,2 filho por casal), o problema ganhou proporções tão dramáticas que a Igreja resolveu interferir: "Italianos, façam filhos", foi o slogan da campanha lançada há dois anos. Nem o incentivo da Igreja Católica nem as benesses oferecidas pelo governo estão dando resultados. Projeções indicam que tanto a Itália quanto a Suíça estão prestes a ter crescimento populacional negativo. Ou seja, encolherão de fato. Assim como a Alemanha, a Itália já afrouxou as exigências para a entrada de imigrantes dispostos a trabalhar – a única maneira de manter a economia funcionando nos níveis atuais.
No Brasil, embora o crescimento populacional continue caindo, as regiões pobres e, sobretudo, as favelas vêem agravar-se fenômenos que apontam na direção contrária, como o aumento da gravidez na adolescência, por exemplo. O último censo mostrou que mulheres de baixa renda estão tendo filhos cada vez mais cedo. Nos últimos dez anos, aumentou em 42% o número de mães pobres na faixa de 15 a 19 anos. "A ação do governo tem de ser precisa e baseada em estudos que ataquem problemas localizados como esse", diz o demógrafo Paulo Murad Saad, da Divisão de Populações da Organização das Nações Unidas. Ou seja, regiões com diferentes níveis de instrução e riqueza têm de ser alvo de políticas específicas.
Um dado extraído do Censo do IBGE indica que, na última década, a população de favelas aumentou num ritmo quase três vezes superior à média brasileira. As maiores expansões ocorreram nas cidades de São Paulo, Belém e Rio de Janeiro. Nesta última, enquanto a população cresceu a uma taxa de 0,74% ao ano na década passada, o número de habitantes de favelas aumentou a um ritmo de 2,4%, segundo pesquisa feita pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, em conjunto com o Instituto Pereira Passos. Ao decomporem os fatores responsáveis pelo crescimento populacional nesses bolsões, os pesquisadores concluíram que a razão principal (com peso de 35%) foi o aumento da fecundidade, seguido pela imigração (com peso de 17%). Há outros elementos que, isoladamente, tiveram influência menor, como o aumento da expectativa de vida e a chegada de pessoas empobrecidas da própria cidade. Uma projeção feita pela Fundação Getúlio Vargas indica que a população favelada brasileira irá mais do que dobrar nos próximos dez anos: poderá chegar a 13,5 milhões de pessoas caso o ritmo de crescimento populacional nessas áreas permaneça estável.
As favelas encravadas em centros urbanos não compartilham o isolamento dos minúsculos municípios rurais, mas se assemelham a eles em outro aspecto: os baixos índices de educação formal. Segundo pesquisa do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, os habitantes das favelas do Rio de Janeiro, as mais populosas do Brasil, estudam, em média, 4,5 anos – pouco mais da metade do tempo que permanece na escola a média dos moradores da cidade. Além da pouca escolaridade, há outras razões que explicam as altas taxas de fecundidade nesses locais. Em meados da década de 80, técnicos do Banco Mundial desembarcaram na favela da Rocinha, a maior do Rio, com o objetivo de desenvolver um programa de planejamento familiar. Os resultados foram insatisfatórios. Ao retornarem ao local para entender os motivos do fracasso da iniciativa, concluíram que ele se deveu, em grande parte, ao peso que certos aspectos culturais tinham sobre a gravidez. As mulheres declaravam que tinham filhos porque com isso ganhavam "status e respeito" na vizinhança, além de conquistar "independência dos pais". Já os homens diziam que se sentiam "mais viris" com a paternidade.
Há muito se sabe que é um equívoco creditar ao simples aumento da fecundidade o crescimento da pobreza e da desigualdade. Fosse assim, o contrário também deveria ser verdadeiro: o fato de o Brasil ter atingido uma média geral de nascimentos quase idêntica à dos Estados Unidos (2,0 filhos por mulher) levaria por si só a que, num futuro próximo, sua economia se tornasse tão reluzente quanto a de um país desenvolvido. Os números comprovam, porém, que existe um vínculo estreito entre o crescimento populacional e o desenvolvimento de uma economia. As mais pobres regiões brasileiras são as que têm as mais altas taxas de fecundidade. Nas mais ricas, é o oposto. A cidade com o menor índice de fecundidade do Brasil, São Caetano do Sul (SP), é a que apresenta a segunda maior renda per capita do país. O mesmo ocorre no âmbito das famílias: em lares onde a renda per capita não supera um quarto de salário mínimo, há em média cinco filhos, segundo o IBGE. Quando essa renda ultrapassa cinco salários mínimos, predomina o filho único. O alto número de filhos seria a razão da pobreza ou sua conseqüência? As duas coisas, respondem especialistas. Com muitos filhos, uma família com renda já escassa fica com o orçamento ainda mais espremido. As crianças são forçadas a largar os estudos para trabalhar e, assim, diminuem suas chances de superar a condição de pobreza. Sabe-se também que mulheres que não tiveram acesso ao estudo têm até três vezes mais filhos do que as que cursaram a universidade. "As altas taxas de fecundidade funcionam como uma espécie de combustível que faz girar um ciclo perverso de miséria", observa o economista Marcelo Neri, da FGV.
O processo de urbanização foi um dos fatores que contribuíram para refrear o aumento populacional no Brasil. Ao trocarem o campo pela cidade, as pessoas passaram a ter acesso a serviços públicos como saúde e educação. A universalização da previdência também influenciou na redução dos nascimentos, sobretudo porque fez arrefecer a crença, até hoje persistente em áreas rurais, de que a única fonte de renda na velhice viria do trabalho dos filhos – o benefício fez diminuir o temor dos brasileiros de chegar à velhice sem nenhum tostão. Um estudo feito na década de 70 chegou à curiosa conclusão de que as telenovelas foram outro fator a ajudar no encolhimento dos lares. "Como a maioria delas exibia famílias de dois filhos, o padrão acabou influenciando os casais", diz a demógrafa Elza Berquó, do Núcleo de Estudos da População da Unicamp, que participou da pesquisa na época.
A história das políticas de planejamento familiar é cheia de idas e vindas. Embora a distribuição de preservativos pelos hospitais públicos tenha começado nos anos 70, foi só a partir de 1996, por força de lei, que camisinhas e anticoncepcionais começaram a chegar sistematicamente às regiões mais pobres e distantes das grandes cidades. Agora, o governo federal está preparando um pacote de medidas, a ser anunciado ainda neste mês, que promete aumentar a opção de anticoncepcionais ofertados pelo Estado e dobrar o número de hospitais públicos que fazem esterilizações, hoje disponíveis em menos de 10% dos municípios brasileiros. A interferência governamental exige precisão cirúrgica para que não cause danos difíceis de reverter. O Brasil já exibe uma queda consistente nas taxas de crescimento populacional. Uma ação generalizada poderia acelerar perigosamente essa tendência. Demógrafos afirmam que é muito mais fácil diminuir a taxa de fecundidade do que aumentá-la.
Há anos a Europa assiste à diminuição de sua população. A situação é particularmente grave em países como Itália, Espanha, Alemanha e Suíça, todos com crescimento populacional próximo de zero. Diante da perspectiva de diminuir, esses países passaram a implantar programas de estímulo à natalidade, que incluem de abatimento no imposto de renda a licença remunerada de até um ano para os candidatos a pais. Na Itália, que junto com a Espanha tem a menor taxa de natalidade da Europa (1,2 filho por casal), o problema ganhou proporções tão dramáticas que a Igreja resolveu interferir: "Italianos, façam filhos", foi o slogan da campanha lançada há dois anos. Nem o incentivo da Igreja Católica nem as benesses oferecidas pelo governo estão dando resultados. Projeções indicam que tanto a Itália quanto a Suíça estão prestes a ter crescimento populacional negativo. Ou seja, encolherão de fato. Assim como a Alemanha, a Itália já afrouxou as exigências para a entrada de imigrantes dispostos a trabalhar – a única maneira de manter a economia funcionando nos níveis atuais.
No Brasil, embora o crescimento populacional continue caindo, as regiões pobres e, sobretudo, as favelas vêem agravar-se fenômenos que apontam na direção contrária, como o aumento da gravidez na adolescência, por exemplo. O último censo mostrou que mulheres de baixa renda estão tendo filhos cada vez mais cedo. Nos últimos dez anos, aumentou em 42% o número de mães pobres na faixa de 15 a 19 anos. "A ação do governo tem de ser precisa e baseada em estudos que ataquem problemas localizados como esse", diz o demógrafo Paulo Murad Saad, da Divisão de Populações da Organização das Nações Unidas. Ou seja, regiões com diferentes níveis de instrução e riqueza têm de ser alvo de políticas específicas.
segunda-feira, junho 07, 2004
Chineses têm vida eterna na Itália
A região de Zhejiang é a Governador Valadares da China. O município brasileiro, famoso pela emigração clandestina de muitos dos seus cidadãos para os Estados Unidos, tem naquele pedaço da China o seu correspondente: da cidade de Wenzhou, os chineses partem em grandes ondas para os países do Primeiro Mundo – e a Itália é um dos destinos preferidos. Famílias inteiras trocam a área montanhosa ao sul de Xangai por Roma, Milão, Florença e Nápoles e chegam à Itália de maneira quase imperceptível para as autoridades da imigração. As rotas são variadas, por terra, mar e ar, e em solo italiano, com alguma sorte, os chineses descobrem, ao longo do processo de imigração, uma espécie de elixir da juventude e, em certos casos, até o segredo da imortalidade.
Sem considerar os primeiros e poucos imigrantes das décadas iniciais do século 20, a grande leva de chineses veio para valer no começo dos anos 80, quando Pequim reatou as relações diplomáticas com Roma. E eles não param de chegar, indiferentes ao crescimento econômico da terra natal e à estagnação italiana. Eram 2 mil em 1982, chegavam a 20 mil há dez anos e hoje já são 100 mil, segundo dados da International Migration Organization, embora o Ministério do Interior italiano, responsável pela segurança interna, tenha o registro oficial da entrada no país de apenas 62.341. Os chineses emigram organizadamente: primeiro, viaja um único representante da família; depois, os parentes; finalmente, os amigos.
Há quase um século, eles embarcavam com um contrato de trabalho. Mais tarde, escapavam do regime opressor de Mao Tse-Tung em busca de liberdade. Depois que Deng Xiao Ping chegou ao poder, o maior atrativo para a fuga passou a ser a busca do dinheiro. Atualmente, tentam manter os próprios costumes em uma sociedade cada vez menos tolerante com os extra-comunitários. Os tempos são outros: ultrapassar as fronteiras italianas e permanecer no país são tarefas hercúleas e custam caro. Mas nada que uma combinação de máfia, malandragem e ação entre amigos e parentes não ajude a resolver. A compra e venda de facilidades virou um grande negócio para a criminalidade asiática em conjunto com a velha e conhecida camorra e autoridades públicas corruptas.
Um rim pela dívida
Muitos chineses vendem a alma ao traficante para chegar à Itália e, na viagem, vivem semanas, meses, até anos vagando de cidade em cidade. Os caminhos são controlados por várias organizações criminosas na Ásia, nos países da antiga Cortina de Ferro e na França, em Paris, sede da Tríade (máfia chinesa) européia. Quem não se financia na própria origem, graças a empréstimos de amigos e parentes, hipoteca o sonho à máfia.
Ela compra as “mercadorias” da família por cinco mil euros. Ao longo da viagem, a dívida do clandestino com a Tríade se multiplica por três. O valor final será pago com o trabalho escravo nos restaurantes e confecções espalhados pelos distritos industriais da Itália, como Milão, no norte, e Prato, no centro. Em março deste ano, a operação Filo Giallo prendeu três empresários imigrantes legais e donos de fábricas de tecidos em que trabalhavam 14 clandestinos sob regime escravo e mais 47 chineses, inclusive crianças e mulheres, em condições sub-humanas.
No ano passado, a Divisione di Investigazione Anti-Mafia, em Trieste, rastreou uma ramificação dos serviços mafiosos. O procurador Nicola Maria Pace, responsável pelo processo, ficou com a certeza de que a venda de órgãos serve como crédito no pagamento da dívida dos imigrantes. Das 18 mil interceptações telefônicas feitas durante a investigação, surgiram informações assustadoras: o preço de um rim, por exemplo, varia entre 3 mil e 20 mil euros.
O doador recebe 300 euros no momento da anestesia e o restante quando apresenta uma outra vítima disposta à doação “voluntária”. Se o “paciente” morrer durante a intervenção cirúrgica em clínicas clandestinas, dificilmente o seu corpo será reclamado e encontrado. O magistrado italiano desmantelou 16 organizações criminosas chinesas e colocou 157 pessoas na cadeia - entre elas, um dos líderes da Tríade na Itália, Xu Bailing, e a sua sobrinha Xumei Wang.
O chinês clandestino é chamado de “wu min” (sem nome). Como está irregularmente no país, não pode alugar casa nem trabalhar e é obrigado a mergulhar na economia informal. É novamente explorado para pagar as contas. Começa, então, a busca por um documento oficial. Aos olhos dos ocidentais, os chineses são quase clones uns dos outros. Aos olhos de funcionários mais distraídos, não só os chineses, mas também os japoneses, os coreanos e os filipinos se tornam irmãos gêmeos. Todos têm olhos puxados, cabelos escuros, baixa estatura e pele branca.
Daí a um assumir a identidade de outro é um pulo. Os falsificadores não pensam duas vezes antes de explorar a semelhança genética com a prestação de serviços fora da lei. O fato de os chineses trabalharem muito em silêncio e viverem num microcosmo quase intransponível facilita a ação dos criminosos. Infiltrar um agente na comunidade ainda é uma missão impossível para a polícia, pelo menos até a chegada à idade adulta da segunda geração de chineses nascida na Itália. Falta pouco, levando-se em conta que 25% dos chineses na Itália são menores de idade.
O que acaba levantando a suspeita das autoridades é olho grande dos criminosos. Foi o que aconteceu com uma quadrilha que despachava regularmente chineses de Milão, com passaportes japoneses falsos, em comitivas de “homens de negócios de Osaka” rumo a Nova Iorque. Tantos “japoneses” desembarcaram nos Estados Unidos, via Itália, que provocaram a desconfiança da polícia de fronteira americana. Os italianos foram alertados, prenderam oito chineses e interromperam o negócio que rendia 40 mil euros por migrante ilegal.
O além é aqui mesmo
Às vezes, as ações criminosas ultrapassam os limites da mortalidade. Que os chineses vivem muitos anos é público e notório. Em muitas províncias do interior da China, os moradores ultrapassam os cem anos de vida. Esta tendência à longevidade foi constatada também em Roma, para surpresa dos italianos. Uma pesquisa realizada em 2000 pelos professores Mauro Gatti e Enrico Todisco, da Universidade de La Sapienza, revelou a presença na Cidade Eterna de 603 estrangeiros nascidos antes de 1900, alguns em 1880. A grande maioria era de chineses.
Os números confirmaram a suspeita numa espécie de reencarnação criminosa ajudada pela incompetência dos cartórios na emissão de certidões de óbito de muitos chineses naturalizados italianos. Salvatore Anania, chefe da Polícia de Estado para Assuntos de Extracomunitários e Prostituição de Milão, explica a NoMínimo: “Depois de dez anos de residência na Itália, o estrangeiro pode requerer a cidadania. Quando este cidadão morre, é enterrado como italiano e não como chinês, mas isto explica apenas parte do problema pois temos muitos estrangeiros com documentos falsos ou, pior ainda, com um documento legal que, na verdade, é de outra pessoa.”
Diz um ditado de Zheijiang que uma folha deve cair sob a sua própria árvore - ou seja, os anciãos devem morrer onde nasceram. Assim, um moribundo legalmente instalado na Itália embarca de volta para a China, sem aviso prévio às autoridades e, uma vez lá, vende ou cede o seu “permesso di soggiorno” - documento que certifica a residência italiana - a um compatriota de malas prontas para fazer a rota inversa. É mais um clandestino assumindo o lugar de um imigrante legal. Ao desembarcar em solo italiano, dificilmente o policial de plantão vai se dar conta de que o titular do “permesso” tem os olhos um pouco mais puxadinhos do que o atual portador.
O falecimento do titular do documento na terra natal, naturalmente, não é comunicado às autoridades italianas. “A única maneira que nós temos de comprovar se o portador do “permesso” é realmente quem diz ser é a impressão digital, mas este recurso técnico só se tornou obrigatório para os imigrantes depois da lei Bossi-Fini, um ano atrás”, conta Salvatore Anania. Segundo o policial, em muitos casos, a simples escritura do nome não è suficiente para identificar um ou outro. “Você sabe quantos chineses existem com o sobrenome Ho?” – pergunta.
Cinzas em casa
Ho está para os chineses como Silva para os brasileiros. E isso quando o problema não se agrava no momento da transcrição do nome do alfabeto chinês para o romano. A barreira lingüística é uma dificuldade quase intransponível para exercer um controle eficaz da comunidade chinesa na Itália. Às vezes, nem um intérprete formado e juramentado consegue decifrar um texto ou um depoimento em dialeto. Seria preciso um tradutor que tivesse o chinês como língua-mãe e conhecesse os cerca de 60 dialetos existentes na China. É importante lembrar que a língua falada não tem nada a ver com a escrita e a sua pronúncia varia de uma região para outra. “Este é um outro problema para nós. Nas grandes cidades, como Roma e Milão, podemos tentar contorná-lo, mas nas menores não é fácil revolver”, lamenta o policial Anania.
Os homens de Salvatore Anania circulam dia e noite pela China Town de Milão, na avenida Paolo Sarpi e adjacências. O bairro é tranqüilo. As ruas estão tomadas por lojas de exportação e importação de mercadorias – roupas, em sua maioria -, restaurantes, bancos especializados em remessas de dinheiro para o exterior, lavanderias e cabeleireiros. Os letreiros são em chinês e italiano. O movimento é intenso até na hora do almoço. Os chineses trabalham muito e não fazem a sesta de duas horas como os italianos. Desde a chegada deles, os preços dos imóveis desta zona conhecida como Velha Milão não param de subir. O metro quadrado, em dois anos, passou de 2 mil para 3 a 4 mil euros, dependendo da localização. Os compradores não pechincham e costumam pagar em dinheiro.
A rua Bramante é paralela à Paolo Sarpi e termina onde começa o cemitério Monumental. Curiosamente, pouquíssimos chineses atravessaram esta rua que liga o mundo dos vivos ao dos mortos. O campo santo mais famoso da cidade tem 110 mil sepulturas, mas apenas três são de chineses. O florista confirma que é difícil assistir a um velório chinês. “A última vez foi… já tem uns bons anos. Gente com olhos puxados por aqui só os turistas japoneses. Dizem que os chineses não morrem nunca, não é verdade?”, diz, abrindo um largo sorriso, sem querer dar o nome.
“Eles são cremados e as cinzas são levadas para casa, ao contrário do que determina a lei”, entrega um dos coveiros, também sem se identificar, talvez com medo de alguma alma penada chinesa. Mas nada disso ameaça a paz eterna de Hu Gianni, um chinês imigrado de Zehjiang, nascido em 1916. Desde 1992, ele repousa no Terrazzo di Levante, à direita de quem entra no cemitério, um lugar de destaque bem longe dos outros dois túmulos do seus patrícios. Hu Gianni é a prova, morta, de que a lenda urbana da imortalidade dos chineses nem sempre fica em pé.
Sem considerar os primeiros e poucos imigrantes das décadas iniciais do século 20, a grande leva de chineses veio para valer no começo dos anos 80, quando Pequim reatou as relações diplomáticas com Roma. E eles não param de chegar, indiferentes ao crescimento econômico da terra natal e à estagnação italiana. Eram 2 mil em 1982, chegavam a 20 mil há dez anos e hoje já são 100 mil, segundo dados da International Migration Organization, embora o Ministério do Interior italiano, responsável pela segurança interna, tenha o registro oficial da entrada no país de apenas 62.341. Os chineses emigram organizadamente: primeiro, viaja um único representante da família; depois, os parentes; finalmente, os amigos.
Há quase um século, eles embarcavam com um contrato de trabalho. Mais tarde, escapavam do regime opressor de Mao Tse-Tung em busca de liberdade. Depois que Deng Xiao Ping chegou ao poder, o maior atrativo para a fuga passou a ser a busca do dinheiro. Atualmente, tentam manter os próprios costumes em uma sociedade cada vez menos tolerante com os extra-comunitários. Os tempos são outros: ultrapassar as fronteiras italianas e permanecer no país são tarefas hercúleas e custam caro. Mas nada que uma combinação de máfia, malandragem e ação entre amigos e parentes não ajude a resolver. A compra e venda de facilidades virou um grande negócio para a criminalidade asiática em conjunto com a velha e conhecida camorra e autoridades públicas corruptas.
Um rim pela dívida
Muitos chineses vendem a alma ao traficante para chegar à Itália e, na viagem, vivem semanas, meses, até anos vagando de cidade em cidade. Os caminhos são controlados por várias organizações criminosas na Ásia, nos países da antiga Cortina de Ferro e na França, em Paris, sede da Tríade (máfia chinesa) européia. Quem não se financia na própria origem, graças a empréstimos de amigos e parentes, hipoteca o sonho à máfia.
Ela compra as “mercadorias” da família por cinco mil euros. Ao longo da viagem, a dívida do clandestino com a Tríade se multiplica por três. O valor final será pago com o trabalho escravo nos restaurantes e confecções espalhados pelos distritos industriais da Itália, como Milão, no norte, e Prato, no centro. Em março deste ano, a operação Filo Giallo prendeu três empresários imigrantes legais e donos de fábricas de tecidos em que trabalhavam 14 clandestinos sob regime escravo e mais 47 chineses, inclusive crianças e mulheres, em condições sub-humanas.
No ano passado, a Divisione di Investigazione Anti-Mafia, em Trieste, rastreou uma ramificação dos serviços mafiosos. O procurador Nicola Maria Pace, responsável pelo processo, ficou com a certeza de que a venda de órgãos serve como crédito no pagamento da dívida dos imigrantes. Das 18 mil interceptações telefônicas feitas durante a investigação, surgiram informações assustadoras: o preço de um rim, por exemplo, varia entre 3 mil e 20 mil euros.
O doador recebe 300 euros no momento da anestesia e o restante quando apresenta uma outra vítima disposta à doação “voluntária”. Se o “paciente” morrer durante a intervenção cirúrgica em clínicas clandestinas, dificilmente o seu corpo será reclamado e encontrado. O magistrado italiano desmantelou 16 organizações criminosas chinesas e colocou 157 pessoas na cadeia - entre elas, um dos líderes da Tríade na Itália, Xu Bailing, e a sua sobrinha Xumei Wang.
O chinês clandestino é chamado de “wu min” (sem nome). Como está irregularmente no país, não pode alugar casa nem trabalhar e é obrigado a mergulhar na economia informal. É novamente explorado para pagar as contas. Começa, então, a busca por um documento oficial. Aos olhos dos ocidentais, os chineses são quase clones uns dos outros. Aos olhos de funcionários mais distraídos, não só os chineses, mas também os japoneses, os coreanos e os filipinos se tornam irmãos gêmeos. Todos têm olhos puxados, cabelos escuros, baixa estatura e pele branca.
Daí a um assumir a identidade de outro é um pulo. Os falsificadores não pensam duas vezes antes de explorar a semelhança genética com a prestação de serviços fora da lei. O fato de os chineses trabalharem muito em silêncio e viverem num microcosmo quase intransponível facilita a ação dos criminosos. Infiltrar um agente na comunidade ainda é uma missão impossível para a polícia, pelo menos até a chegada à idade adulta da segunda geração de chineses nascida na Itália. Falta pouco, levando-se em conta que 25% dos chineses na Itália são menores de idade.
O que acaba levantando a suspeita das autoridades é olho grande dos criminosos. Foi o que aconteceu com uma quadrilha que despachava regularmente chineses de Milão, com passaportes japoneses falsos, em comitivas de “homens de negócios de Osaka” rumo a Nova Iorque. Tantos “japoneses” desembarcaram nos Estados Unidos, via Itália, que provocaram a desconfiança da polícia de fronteira americana. Os italianos foram alertados, prenderam oito chineses e interromperam o negócio que rendia 40 mil euros por migrante ilegal.
O além é aqui mesmo
Às vezes, as ações criminosas ultrapassam os limites da mortalidade. Que os chineses vivem muitos anos é público e notório. Em muitas províncias do interior da China, os moradores ultrapassam os cem anos de vida. Esta tendência à longevidade foi constatada também em Roma, para surpresa dos italianos. Uma pesquisa realizada em 2000 pelos professores Mauro Gatti e Enrico Todisco, da Universidade de La Sapienza, revelou a presença na Cidade Eterna de 603 estrangeiros nascidos antes de 1900, alguns em 1880. A grande maioria era de chineses.
Os números confirmaram a suspeita numa espécie de reencarnação criminosa ajudada pela incompetência dos cartórios na emissão de certidões de óbito de muitos chineses naturalizados italianos. Salvatore Anania, chefe da Polícia de Estado para Assuntos de Extracomunitários e Prostituição de Milão, explica a NoMínimo: “Depois de dez anos de residência na Itália, o estrangeiro pode requerer a cidadania. Quando este cidadão morre, é enterrado como italiano e não como chinês, mas isto explica apenas parte do problema pois temos muitos estrangeiros com documentos falsos ou, pior ainda, com um documento legal que, na verdade, é de outra pessoa.”
Diz um ditado de Zheijiang que uma folha deve cair sob a sua própria árvore - ou seja, os anciãos devem morrer onde nasceram. Assim, um moribundo legalmente instalado na Itália embarca de volta para a China, sem aviso prévio às autoridades e, uma vez lá, vende ou cede o seu “permesso di soggiorno” - documento que certifica a residência italiana - a um compatriota de malas prontas para fazer a rota inversa. É mais um clandestino assumindo o lugar de um imigrante legal. Ao desembarcar em solo italiano, dificilmente o policial de plantão vai se dar conta de que o titular do “permesso” tem os olhos um pouco mais puxadinhos do que o atual portador.
O falecimento do titular do documento na terra natal, naturalmente, não é comunicado às autoridades italianas. “A única maneira que nós temos de comprovar se o portador do “permesso” é realmente quem diz ser é a impressão digital, mas este recurso técnico só se tornou obrigatório para os imigrantes depois da lei Bossi-Fini, um ano atrás”, conta Salvatore Anania. Segundo o policial, em muitos casos, a simples escritura do nome não è suficiente para identificar um ou outro. “Você sabe quantos chineses existem com o sobrenome Ho?” – pergunta.
Cinzas em casa
Ho está para os chineses como Silva para os brasileiros. E isso quando o problema não se agrava no momento da transcrição do nome do alfabeto chinês para o romano. A barreira lingüística é uma dificuldade quase intransponível para exercer um controle eficaz da comunidade chinesa na Itália. Às vezes, nem um intérprete formado e juramentado consegue decifrar um texto ou um depoimento em dialeto. Seria preciso um tradutor que tivesse o chinês como língua-mãe e conhecesse os cerca de 60 dialetos existentes na China. É importante lembrar que a língua falada não tem nada a ver com a escrita e a sua pronúncia varia de uma região para outra. “Este é um outro problema para nós. Nas grandes cidades, como Roma e Milão, podemos tentar contorná-lo, mas nas menores não é fácil revolver”, lamenta o policial Anania.
Os homens de Salvatore Anania circulam dia e noite pela China Town de Milão, na avenida Paolo Sarpi e adjacências. O bairro é tranqüilo. As ruas estão tomadas por lojas de exportação e importação de mercadorias – roupas, em sua maioria -, restaurantes, bancos especializados em remessas de dinheiro para o exterior, lavanderias e cabeleireiros. Os letreiros são em chinês e italiano. O movimento é intenso até na hora do almoço. Os chineses trabalham muito e não fazem a sesta de duas horas como os italianos. Desde a chegada deles, os preços dos imóveis desta zona conhecida como Velha Milão não param de subir. O metro quadrado, em dois anos, passou de 2 mil para 3 a 4 mil euros, dependendo da localização. Os compradores não pechincham e costumam pagar em dinheiro.
A rua Bramante é paralela à Paolo Sarpi e termina onde começa o cemitério Monumental. Curiosamente, pouquíssimos chineses atravessaram esta rua que liga o mundo dos vivos ao dos mortos. O campo santo mais famoso da cidade tem 110 mil sepulturas, mas apenas três são de chineses. O florista confirma que é difícil assistir a um velório chinês. “A última vez foi… já tem uns bons anos. Gente com olhos puxados por aqui só os turistas japoneses. Dizem que os chineses não morrem nunca, não é verdade?”, diz, abrindo um largo sorriso, sem querer dar o nome.
“Eles são cremados e as cinzas são levadas para casa, ao contrário do que determina a lei”, entrega um dos coveiros, também sem se identificar, talvez com medo de alguma alma penada chinesa. Mas nada disso ameaça a paz eterna de Hu Gianni, um chinês imigrado de Zehjiang, nascido em 1916. Desde 1992, ele repousa no Terrazzo di Levante, à direita de quem entra no cemitério, um lugar de destaque bem longe dos outros dois túmulos do seus patrícios. Hu Gianni é a prova, morta, de que a lenda urbana da imortalidade dos chineses nem sempre fica em pé.
Gilberto Gil quer “reforma agrária” no campo da propriedade cultural
Durante o quinto Fórum Internacional de Software Livre, realizado em Porto Alegre, ministro Gilberto Gil defendeu o software livre como política de inclusão social e como instrumento para promover uma “reforma agrária” no campo da propriedade intelectual.
É possível conceber uma cultura livre numa época de mercantilização geral de todos os bens, materiais ou simbólicos? Isso não só é possível como necessário, segundo os criadores do Projeto “Creative Commons”, lançado oficialmente no Brasil durante o 5° Fórum Internacional de Software Livre (FISL), em Porto Alegre. O “Creative Commons” é um espaço de criatividade coletiva que permite a livre manipulação de textos, sons e imagens através de licenças padronizadas. Seu criador e principal teórico é Lawrence Lessig, professor de direito da Universidade de Stanford e estudioso de aspectos legais das tecnologias modernas, especialmente da Internet. Também é conhecido por sua atuação no processo anti-truste movido pelo Departamento de Justiça dos EUA contra a Microsoft, onde atuou como um “friend of the court” (amigo da Corte), a convite do juiz Thomas Painfield Jackson.
Autor de “Code and Other Laws of Cyberspace” (Código e Outras Leis do Ciberespaço) , e de “The Future of Ideas” (O Futuro das Idéias) – ainda sem tradução para o português -, entre outras obras, Lessig esteve em Porto Alegre para participar do lançamento do projeto e destacou o engajamento brasileiro no projeto, o que, segundo ele, pode colocar o país em uma posição de vanguarda mundial no setor.
O projeto ganhou um padrinho forte no Brasil, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, que participou do debate, no Centro de Eventos da PUC-RS, que marcou o lançamento do “Creative Commons”. Foi uma das atividades mais concorridas do FISL, reunindo cerca de 1.500 pessoas. Gil destacou o compromisso do governo Lula em promover aquilo que denominou de “reforma agrária” no campo da propriedade cultural, uma reforma que teria como um de seus instrumentos centrais o software livre. Para Gil, o software livre permite uma espécie de “desapropriação dos latifúndios intelectuais”, o que seria imprescindível para o desenvolvimento cultural e a criatividade de maneira geral.
Este novo sistema, segundo o ministro, permite um acesso mais democrático à cultura e possibilita a implementação de políticas de inclusão digital e para o compartilhamento do conhecimento e da arte. O Ministério da Cultura, garantiu, está engajado na tarefa de ajudar a transformar o Brasil em um pólo do software livre no mundo, um caminho para o domínio da cultura digital. O apoio ao projeto “Creative Commons” é uma das expressões desse engajamento, em busca de uma nova realidade para o setor cultural que não seja regida exclusivamente pelas leis de mercado. As palavras de Gil foram saudadas por Lessig, para quem o ministro da Cultura está levando o Brasil ao posto de país mais importante do mundo nessa discussão.
Cantor, compositor e ministro da Cultura, o multimídia Gilberto Gil é o primeiro artista brasileiro a aderir publicamente à licença “Creative Commons”, que já tem um milhão de obras licenciadas, em pouco mais de um ano de funcionamento. A licença permite que músicas, textos e imagens sejam copiadas, recriadas e distribuídas livremente, significando uma verdadeira revolução no conceito de propriedade intelectual. Gil já deu o exemplo. Sua música “Oslodum”, do disco “O Sol de Oslo” (1998), foi retrabalhada por DJ Dolores, de Recife, sem a tradicional burocracia exigida pela legislação de direito autoral. No Brasil, a “Creative Commons” vem sendo adaptada por um grupo de especialistas da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
O tema da propriedade intelectual
As idéias de Lessig representam uma pequena revolução (ou nem tão pequena assim) no debate sobre a questão da propriedade intelectual. Segundo a legislação atual, o direito autoral permite ao seu detentor o controle sobre a produção de cópias de sua obra. A facilidade de reprodução propiciada pela internet está tornando essa legislação anacrônica. Lessig vem chamando a atenção sobre os prejuízos de adotar leis que tornem absoluto o direito do autor. Segundo ele, o desenvolvimento intelectual da humanidade é marcada pela possibilidade de tomar obras já existentes e recriá-las em outras direções. As peças de Shakespeare seriam um dos exemplos clássicos desse processo, pois foram produzidas, em sua maioria, baseadas em histórias de outros autores. Pela legislação atual, Shakespeare poderia ser proibido de fazer isso.
Lessig não é, em princípio, contra o direito autoral, reconhecendo a importância de estimular a remunerar a criatividade individual. O que ele defende, através do Projeto “Creative Commons”, é uma espécie de sistema aberto, similar ao de patentes, onde um determinado invento é protegido por um tempo determinado (no máximo 20 anos), mas que pode ser usado por outras pessoas mediante o pagamento de uma taxa ao criador. A diferença que ele introduz é permitir aos autores determinar as condições específicas para a reprodução e manipulação de sua obra, que podem incluir o pagamento de alguma taxa ou a liberação total. Uma das vantagens desse sistema, além da criação de um espaço de criatividade coletiva, seria a desburocratização do processo de licenças, hoje submetido a longas polêmicas judiciais.
Liberdade não é gratuidade
A idéia de que o software livre não se traduz pela noção de gratuidade foi defendida com ênfase por Georg Greve, presidente da Free Software Fundation da Europa, que também esteve em Porto Alegre. Segundo Greve, o termo “free” refere-se à liberdade de uso, não de preço, conforme uma definição de software livre elaborada ainda em 1989. Segundo ela, o sistema operacional aberto é caracterizado por quatro espécies de liberdade: a liberdade de usar, estudar e modificar, copiar e distribuir softwares. “Se você adquire um software e na licença deste software estão especificadas essas quatro possibilidades, trata-se de um software livre”, explicou Greve, didaticamente.
O problema do software proprietário como modelo de sistema, segundo ele, é sua tendência a formar monopólios que prejudicam os negócios. Atualmente, exemplificou, cerca de 80% das exportações alemãs são prejudicadas pelo monopólio, uma vez que o software proprietário usa um único processador, tornando a comunicação possível somente se a outra parte possuir a mesma versão de software proprietário. O software livre, por sua vez, abre a possibilidade de mudar os sistemas e métodos utilizados, evitando o risco do monopólio, uma vez que permite a alteração do código fonte e sua distribuição de diversas formas. A Índia foi apontada por Greve como um exemplo no uso de software livre. Segundo ele, engenheiros locais fabricam os seus próprios computadores pessoais, os softwares são de boa qualidade e fabricados, distribuídos e vendidos na própria Índia. Esse modelo, além de desenvolver uma linguagem própria, alimenta a economia local, mantendo recursos dentro do país; recursos que, antes, saíam para o exterior, sob a forma de pagamento de licenças.
Greve foi mais longe e considerou o software proprietário incompatível com o método científico por não oferecer ao usuário o conhecimento de como ele funciona: “É como uma caixa preta que contém um único botão, uma luz e um adesivo dizendo: aperte aqui. Eu aperto o botão e a luz funciona. Mas eu não sei como, nem porque, a luz ligou”, exemplificou. O software livre, por sua vez, permite ao usuário conhecer o código-fonte e, conseqüentemente, conhecer como funciona essa operação e, se julgar o caso, aperfeiçoá-la. Essa possibilidade está na base da idéia defendida por Gilberto Gil, segundo a qual o software livre serviria como um instrumento de desapropriação dos “latifúndios” que dominam hoje a indústria cultural.
É possível conceber uma cultura livre numa época de mercantilização geral de todos os bens, materiais ou simbólicos? Isso não só é possível como necessário, segundo os criadores do Projeto “Creative Commons”, lançado oficialmente no Brasil durante o 5° Fórum Internacional de Software Livre (FISL), em Porto Alegre. O “Creative Commons” é um espaço de criatividade coletiva que permite a livre manipulação de textos, sons e imagens através de licenças padronizadas. Seu criador e principal teórico é Lawrence Lessig, professor de direito da Universidade de Stanford e estudioso de aspectos legais das tecnologias modernas, especialmente da Internet. Também é conhecido por sua atuação no processo anti-truste movido pelo Departamento de Justiça dos EUA contra a Microsoft, onde atuou como um “friend of the court” (amigo da Corte), a convite do juiz Thomas Painfield Jackson.
Autor de “Code and Other Laws of Cyberspace” (Código e Outras Leis do Ciberespaço) , e de “The Future of Ideas” (O Futuro das Idéias) – ainda sem tradução para o português -, entre outras obras, Lessig esteve em Porto Alegre para participar do lançamento do projeto e destacou o engajamento brasileiro no projeto, o que, segundo ele, pode colocar o país em uma posição de vanguarda mundial no setor.
O projeto ganhou um padrinho forte no Brasil, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, que participou do debate, no Centro de Eventos da PUC-RS, que marcou o lançamento do “Creative Commons”. Foi uma das atividades mais concorridas do FISL, reunindo cerca de 1.500 pessoas. Gil destacou o compromisso do governo Lula em promover aquilo que denominou de “reforma agrária” no campo da propriedade cultural, uma reforma que teria como um de seus instrumentos centrais o software livre. Para Gil, o software livre permite uma espécie de “desapropriação dos latifúndios intelectuais”, o que seria imprescindível para o desenvolvimento cultural e a criatividade de maneira geral.
Este novo sistema, segundo o ministro, permite um acesso mais democrático à cultura e possibilita a implementação de políticas de inclusão digital e para o compartilhamento do conhecimento e da arte. O Ministério da Cultura, garantiu, está engajado na tarefa de ajudar a transformar o Brasil em um pólo do software livre no mundo, um caminho para o domínio da cultura digital. O apoio ao projeto “Creative Commons” é uma das expressões desse engajamento, em busca de uma nova realidade para o setor cultural que não seja regida exclusivamente pelas leis de mercado. As palavras de Gil foram saudadas por Lessig, para quem o ministro da Cultura está levando o Brasil ao posto de país mais importante do mundo nessa discussão.
Cantor, compositor e ministro da Cultura, o multimídia Gilberto Gil é o primeiro artista brasileiro a aderir publicamente à licença “Creative Commons”, que já tem um milhão de obras licenciadas, em pouco mais de um ano de funcionamento. A licença permite que músicas, textos e imagens sejam copiadas, recriadas e distribuídas livremente, significando uma verdadeira revolução no conceito de propriedade intelectual. Gil já deu o exemplo. Sua música “Oslodum”, do disco “O Sol de Oslo” (1998), foi retrabalhada por DJ Dolores, de Recife, sem a tradicional burocracia exigida pela legislação de direito autoral. No Brasil, a “Creative Commons” vem sendo adaptada por um grupo de especialistas da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
O tema da propriedade intelectual
As idéias de Lessig representam uma pequena revolução (ou nem tão pequena assim) no debate sobre a questão da propriedade intelectual. Segundo a legislação atual, o direito autoral permite ao seu detentor o controle sobre a produção de cópias de sua obra. A facilidade de reprodução propiciada pela internet está tornando essa legislação anacrônica. Lessig vem chamando a atenção sobre os prejuízos de adotar leis que tornem absoluto o direito do autor. Segundo ele, o desenvolvimento intelectual da humanidade é marcada pela possibilidade de tomar obras já existentes e recriá-las em outras direções. As peças de Shakespeare seriam um dos exemplos clássicos desse processo, pois foram produzidas, em sua maioria, baseadas em histórias de outros autores. Pela legislação atual, Shakespeare poderia ser proibido de fazer isso.
Lessig não é, em princípio, contra o direito autoral, reconhecendo a importância de estimular a remunerar a criatividade individual. O que ele defende, através do Projeto “Creative Commons”, é uma espécie de sistema aberto, similar ao de patentes, onde um determinado invento é protegido por um tempo determinado (no máximo 20 anos), mas que pode ser usado por outras pessoas mediante o pagamento de uma taxa ao criador. A diferença que ele introduz é permitir aos autores determinar as condições específicas para a reprodução e manipulação de sua obra, que podem incluir o pagamento de alguma taxa ou a liberação total. Uma das vantagens desse sistema, além da criação de um espaço de criatividade coletiva, seria a desburocratização do processo de licenças, hoje submetido a longas polêmicas judiciais.
Liberdade não é gratuidade
A idéia de que o software livre não se traduz pela noção de gratuidade foi defendida com ênfase por Georg Greve, presidente da Free Software Fundation da Europa, que também esteve em Porto Alegre. Segundo Greve, o termo “free” refere-se à liberdade de uso, não de preço, conforme uma definição de software livre elaborada ainda em 1989. Segundo ela, o sistema operacional aberto é caracterizado por quatro espécies de liberdade: a liberdade de usar, estudar e modificar, copiar e distribuir softwares. “Se você adquire um software e na licença deste software estão especificadas essas quatro possibilidades, trata-se de um software livre”, explicou Greve, didaticamente.
O problema do software proprietário como modelo de sistema, segundo ele, é sua tendência a formar monopólios que prejudicam os negócios. Atualmente, exemplificou, cerca de 80% das exportações alemãs são prejudicadas pelo monopólio, uma vez que o software proprietário usa um único processador, tornando a comunicação possível somente se a outra parte possuir a mesma versão de software proprietário. O software livre, por sua vez, abre a possibilidade de mudar os sistemas e métodos utilizados, evitando o risco do monopólio, uma vez que permite a alteração do código fonte e sua distribuição de diversas formas. A Índia foi apontada por Greve como um exemplo no uso de software livre. Segundo ele, engenheiros locais fabricam os seus próprios computadores pessoais, os softwares são de boa qualidade e fabricados, distribuídos e vendidos na própria Índia. Esse modelo, além de desenvolver uma linguagem própria, alimenta a economia local, mantendo recursos dentro do país; recursos que, antes, saíam para o exterior, sob a forma de pagamento de licenças.
Greve foi mais longe e considerou o software proprietário incompatível com o método científico por não oferecer ao usuário o conhecimento de como ele funciona: “É como uma caixa preta que contém um único botão, uma luz e um adesivo dizendo: aperte aqui. Eu aperto o botão e a luz funciona. Mas eu não sei como, nem porque, a luz ligou”, exemplificou. O software livre, por sua vez, permite ao usuário conhecer o código-fonte e, conseqüentemente, conhecer como funciona essa operação e, se julgar o caso, aperfeiçoá-la. Essa possibilidade está na base da idéia defendida por Gilberto Gil, segundo a qual o software livre serviria como um instrumento de desapropriação dos “latifúndios” que dominam hoje a indústria cultural.
quinta-feira, junho 03, 2004
Estratégias de intervenção
Estudo mostra estatisticamente que a maneira mais eficiente de combater o crime comum não é perseguir o criminoso contumaz, mas sim evitar que as pessoas cometam o primeiro delito. Análises mostram que o custo-benefício dessa intervenção preventiva é melhor do que o de políticas -- mais comuns hoje em dia -- baseadas no endurecimento de penas, construção de prisões ou aparelhamento das polícias.
Um fenômeno bastante conhecido nos estudos criminológicos é o fato de que muitas coisas envolvem poucas pessoas e lugares. Estudos usando técnicas de análise para a detecção de 'áreas quentes' de criminalidade mostram que crimes são fenômenos bastante concentrados no tempo e no espaço.
Alguns exemplos: i) As regiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro concentram 40% dos homicídios no Brasil, embora tenham 18% da população; ii) cerca de 20% desse tipo de crime acontecem em menos de 2% da área geográfica de um centro urbano; iii) a maioria dos assaltos ocorre em poucos locais.
Trata-se de um fenômeno estatístico conhecido como lei de potência e que é observado também em fenômenos sociais, lingüísticos e econômicos. O economista italiano Vilfredo Pareto (1848-1923) observou que a distribuição da riqueza seguia um 'desequilíbrio previsível', em que 20% da população detinham 80% da riqueza. O lingüista norte-americano George Zipf (1902-1950) observou o padrão semelhante no uso das palavras: poucas delas eram usadas um grande número de vezes, e muitas eram raramente empregadas.
Da mesma forma, ocorre uma concentração dos crimes em torno de um número pequeno de delinqüentes que, após cometerem os primeiros delitos, tornam-se reincidentes contumazes. Um estudo recente realizado na Inglaterra (disponível na internet) vem corroborar esse padrão, ao analisar dois tipos de resultados de pesquisas anteriormente realizadas.
A primeira é o 'Estudo [da Universidade de] Cambridge sobre o Desenvolvimento da Delinqüência', realizado com 411 jovens do sexo masculino da região norte de Londres, que foram acompanhados desde 1961-1962, quando tinham entre oito ou nove anos de idade. A outra pesquisa analisada foi o 'Estudo Pittsburgh sobre a Juventude', com 1,5 mil jovens de escolas dessa cidade norte-americana, acompanhados por períodos regulares entre 1986 e 2001.
Ambos chegam a resultados similares: 70% dos pesquisados não tiveram qualquer condenação ou relataram qualquer tipo de crime ao longo do período do estudo. O restante -- que foi condenado por algum tipo de crime -- distribuiu-se de acordo com a regra do 'poucos fazem muito': 5% das pessoas estudadas foram responsáveis por mais de 80% das condenações.
O grupo que cometeu delitos passou a se concentrar em torno de uma distribuição estatística bastante familiar aos estudiosos de sistemas de comportamento humano. Sempre que grupos têm possibilidade de escolha entre várias opções, um pequeno número destas vai gerar um grande tráfego de escolhas, sem que haja nenhum movimento deliberado nessa direção.
Trata-se do simples ato de escolher, e é o caso da grande maioria de jovens que não comete crimes. Porém, entre os que praticam, tende a ocorrer uma concentração grande de eventos em torno de um pequeno número de pessoas, que passam a se envolver com um grande número de condenações ou de crimes reportados.
Esses resultados contrariam a percepção de senso comum segundo a qual crimes encontram-se distribuídos aleatoriamente no tempo e no espaço, e vítimas são recrutadas igualitariamente em todos os locais e grupos sociais. O medo é universalmente distribuído, mas as vítimas de fato estão altamente concentradas em poucos locais da cidade e em grupos sociais bastante específicos.
Por exemplo, as chances de se morrer vítima de homicídio quando se é um homem jovem habitante da periferia chegam a ser até 300 vezes maiores que as de um senhor de meia idade que habita bairros de classe média. No entanto, todos os esforços de nosso sistema de justiça e de organizações às voltas com segurança pública parecem ser a de proteger justamente aqueles que estão menos expostos à violência. A concentração de equipamentos de proteção social, bem como de recursos de segurança pública, se dá de forma desigual.
As implicações de resultados de estudos dessa natureza para as políticas públicas são óbvias, embora largamente desconhecidas para a grande maioria dos agentes e encarregados de estabelecer políticas em segurança pública. A questão é como evitar que aqueles que não cometem crimes ou que cometem poucos crimes passem a engrossar o time dos criminosos profissionais?
O passo crucial parece ser intervir antes do primeiro crime. Estratégias de intervenção podem incluir: i) programas envolvendo assistência social a famílias em situação de risco de crime; ii) treinamento e terapia para famílias de crianças com comportamento agressivo na escola ou que estejam em vias de serem expulsos dela; iii) incentivos monetários para induzir garotos carentes a se graduarem; iv) monitoramento e supervisão de jovens secundaristas que tenham exibido comportamento delinqüente.
Análises efetuadas desse tipo de estratégia de intervenção mostram que a relação custo benefício delas é muito melhor do que a resposta através de políticas 'duras' de endurecimento de penas, construção de prisões ou aparelhamento das polícias. Por outro lado, o que fazer com os criminosos contumazes, que já ingressaram de forma irremediável em uma carreira de crimes?
Projetos como Ceasefire, em Boston (Estados Unidos), ou o 'Fica Vivo', em Belo Horizonte, dirigem boa parte de seus esforços à apreensão e ao isolamento desse núcleo duro de criminosos. Nessas iniciativas, aliadas a ações de justiça dirigidas de forma qualificada, estão aquelas voltadas para a prevenção e destinadas justamente a evitar que jovens e crianças entrem nesse mundo estatístico distinto, no qual os infratores vão acumulando delitos.
Todas essas coisas são óbvias e fáceis quando se sabe a quem dirigir os esforços de intervenção. Informação sobre quais são os grupos de riscos, onde se localizam as áreas de ocorrências de crimes e qual a proporção de jovens que compõem o núcleo duro é o cerne de intervenções de qualquer natureza. Obter esses dados seja talvez um dos grandes desafios.
Um fenômeno bastante conhecido nos estudos criminológicos é o fato de que muitas coisas envolvem poucas pessoas e lugares. Estudos usando técnicas de análise para a detecção de 'áreas quentes' de criminalidade mostram que crimes são fenômenos bastante concentrados no tempo e no espaço.
Alguns exemplos: i) As regiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro concentram 40% dos homicídios no Brasil, embora tenham 18% da população; ii) cerca de 20% desse tipo de crime acontecem em menos de 2% da área geográfica de um centro urbano; iii) a maioria dos assaltos ocorre em poucos locais.
Trata-se de um fenômeno estatístico conhecido como lei de potência e que é observado também em fenômenos sociais, lingüísticos e econômicos. O economista italiano Vilfredo Pareto (1848-1923) observou que a distribuição da riqueza seguia um 'desequilíbrio previsível', em que 20% da população detinham 80% da riqueza. O lingüista norte-americano George Zipf (1902-1950) observou o padrão semelhante no uso das palavras: poucas delas eram usadas um grande número de vezes, e muitas eram raramente empregadas.
Da mesma forma, ocorre uma concentração dos crimes em torno de um número pequeno de delinqüentes que, após cometerem os primeiros delitos, tornam-se reincidentes contumazes. Um estudo recente realizado na Inglaterra (disponível na internet) vem corroborar esse padrão, ao analisar dois tipos de resultados de pesquisas anteriormente realizadas.
A primeira é o 'Estudo [da Universidade de] Cambridge sobre o Desenvolvimento da Delinqüência', realizado com 411 jovens do sexo masculino da região norte de Londres, que foram acompanhados desde 1961-1962, quando tinham entre oito ou nove anos de idade. A outra pesquisa analisada foi o 'Estudo Pittsburgh sobre a Juventude', com 1,5 mil jovens de escolas dessa cidade norte-americana, acompanhados por períodos regulares entre 1986 e 2001.
Ambos chegam a resultados similares: 70% dos pesquisados não tiveram qualquer condenação ou relataram qualquer tipo de crime ao longo do período do estudo. O restante -- que foi condenado por algum tipo de crime -- distribuiu-se de acordo com a regra do 'poucos fazem muito': 5% das pessoas estudadas foram responsáveis por mais de 80% das condenações.
O grupo que cometeu delitos passou a se concentrar em torno de uma distribuição estatística bastante familiar aos estudiosos de sistemas de comportamento humano. Sempre que grupos têm possibilidade de escolha entre várias opções, um pequeno número destas vai gerar um grande tráfego de escolhas, sem que haja nenhum movimento deliberado nessa direção.
Trata-se do simples ato de escolher, e é o caso da grande maioria de jovens que não comete crimes. Porém, entre os que praticam, tende a ocorrer uma concentração grande de eventos em torno de um pequeno número de pessoas, que passam a se envolver com um grande número de condenações ou de crimes reportados.
Esses resultados contrariam a percepção de senso comum segundo a qual crimes encontram-se distribuídos aleatoriamente no tempo e no espaço, e vítimas são recrutadas igualitariamente em todos os locais e grupos sociais. O medo é universalmente distribuído, mas as vítimas de fato estão altamente concentradas em poucos locais da cidade e em grupos sociais bastante específicos.
Por exemplo, as chances de se morrer vítima de homicídio quando se é um homem jovem habitante da periferia chegam a ser até 300 vezes maiores que as de um senhor de meia idade que habita bairros de classe média. No entanto, todos os esforços de nosso sistema de justiça e de organizações às voltas com segurança pública parecem ser a de proteger justamente aqueles que estão menos expostos à violência. A concentração de equipamentos de proteção social, bem como de recursos de segurança pública, se dá de forma desigual.
As implicações de resultados de estudos dessa natureza para as políticas públicas são óbvias, embora largamente desconhecidas para a grande maioria dos agentes e encarregados de estabelecer políticas em segurança pública. A questão é como evitar que aqueles que não cometem crimes ou que cometem poucos crimes passem a engrossar o time dos criminosos profissionais?
O passo crucial parece ser intervir antes do primeiro crime. Estratégias de intervenção podem incluir: i) programas envolvendo assistência social a famílias em situação de risco de crime; ii) treinamento e terapia para famílias de crianças com comportamento agressivo na escola ou que estejam em vias de serem expulsos dela; iii) incentivos monetários para induzir garotos carentes a se graduarem; iv) monitoramento e supervisão de jovens secundaristas que tenham exibido comportamento delinqüente.
Análises efetuadas desse tipo de estratégia de intervenção mostram que a relação custo benefício delas é muito melhor do que a resposta através de políticas 'duras' de endurecimento de penas, construção de prisões ou aparelhamento das polícias. Por outro lado, o que fazer com os criminosos contumazes, que já ingressaram de forma irremediável em uma carreira de crimes?
Projetos como Ceasefire, em Boston (Estados Unidos), ou o 'Fica Vivo', em Belo Horizonte, dirigem boa parte de seus esforços à apreensão e ao isolamento desse núcleo duro de criminosos. Nessas iniciativas, aliadas a ações de justiça dirigidas de forma qualificada, estão aquelas voltadas para a prevenção e destinadas justamente a evitar que jovens e crianças entrem nesse mundo estatístico distinto, no qual os infratores vão acumulando delitos.
Todas essas coisas são óbvias e fáceis quando se sabe a quem dirigir os esforços de intervenção. Informação sobre quais são os grupos de riscos, onde se localizam as áreas de ocorrências de crimes e qual a proporção de jovens que compõem o núcleo duro é o cerne de intervenções de qualquer natureza. Obter esses dados seja talvez um dos grandes desafios.
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